Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Frederico Vasconcelos
Descrição de chapéu Folhajus CNJ

Um caso exemplar de censura prévia em livro sobre o Judiciário

Por que me recusei a omitir nomes em artigo para obra do Instituto Innovare

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São Paulo

A censura prévia nem sempre tem origem no Judiciário. O tema está na ordem do dia desde a tese do STF (Supremo Tribunal Federal) de que veículos de imprensa devem ser punidos pela fala de entrevistados.

A censura prévia pode ser gerada em ações e omissões do Executivo e do Legislativo, ou atender a interesses, comuns ou isolados, de empresários e da advocacia.

Em abril de 2021, escrevi um artigo para o livro "O Judiciário do Nosso Tempo", a convite dos organizadores da obra: os advogados Sérgio Renault, presidente do Instituto Innovare, Raquel Khichfy, coordenadora do instituto, Pierpaolo Bottini, coordenador do Observatório de Liberdade de Imprensa da OAB, e a cientista política Maria Tereza Sadek, professora da USP e colaboradora da FGV/RJ.

Bottini e Sadek são membros da comissão julgadora do Prêmio Innovare.

Um caso exemplar de censura prévia em livro sobre o Judiciário
Da esquerda para a direita, Pierpaolo Bottini, Sérgio Renault, Maria Tereza Sadek, Iberê de Castro Dias, Raquel Khichfy, Pedro Freitas, Márcio Chaer e Igor Tamasauskas no lançamento do livro "O Judiciário do Nosso Tempo", em São Paulo - Rivaldo Gomes/Folhapress

"Não se trata propriamente de um livro técnico jurídico, mas um registro, no estilo de uma reportagem, feito por quem participou ou foi observador privilegiado do que vem ocorrendo no ambiente do Judiciário", explicaram.

"Gostaríamos de convidá-lo a integrar esta obra como reconhecimento à sua inestimável contribuição para o aprimoramento do sistema judicial brasileiro e comprometimento com os ideais de justiça defendidos por todos que estarão reunidos nesse livro."

"Pretendemos contribuir para a compreensão de todos com o que ocorreu no nosso sistema de justiça nas últimas duas décadas", me foi dito, com a sugestão de que escrevesse livremente sobre o tema "Cobertura do Poder Judiciário pela Imprensa".

O eixo de minha exposição está assim resumido: "O jornalismo investigativo concentrou seu foco no combate à corrupção. O problema central é a impunidade, que estimula atos ilícitos, e também encontra guarida no Poder Judiciário."

Faço a seguinte ressalva: "O grosso da magistratura não compactua com a impunidade."

Pesquisei durante dois meses os fatos mais relevantes que havia publicado na Folha e no blog Interesse Público. O texto com 17.000 caracteres foi entregue no prazo combinado.

Dias depois, fui surpreendido com a sugestão dos organizadores do livro para manter os fatos no texto e omitir o nome de personagens que também escreveriam no livro.

Rejeitei a proposta. Não poderia alterar os episódios que revelei originalmente na Folha por causa da conveniência de outro veículo. O livro foi lançado pela Globo Livros. O Instituto Innovare tem o apoio do Grupo Globo.

O diretor de Redação da Folha, Sérgio Dávila, decidiu que meu texto integral seria publicado na Ilustríssima.

Um caso de censura prévia em livro sobre o Judiciário
Trecho de lista preliminar de autores de artigos para o livro "O Judiciário do Nosso Tempo". No destaque, capa da obra do Instituto Innovare - Instituto Innovare/Reprodução

Sob o título "Controles tolerantes e falta de transparência estimulam impunidade no Judiciário", o artigo foi publicado integralmente na Folha em 10 de agosto de 2021. Sem nenhuma contestação.

Eis a ementa, resumo de meu texto, publicada no jornal:

"Recorrência de casos de venda de sentenças, desvios de verbas, nepotismo, aparelhamento político e conflitos éticos no Judiciário que acabam impunes, prescritos ou com punições leves revelam a debilidade dos mecanismos de transparências e controle da Justiça."

No mesmo dia, o artigo foi reproduzido no clipping do CNJ.

O ministro Dias Toffoli foi presidente do STF e do CNJ entre setembro de 2018 e setembro de 2020. É autor de artigo no livro do Innovare sob o título "Conselho Nacional de Justiça: um papel determinante".

Em meu artigo, que trata da impunidade no Judiciário, há várias críticas ao órgão de controle externo do Judiciário. Afirmo que, no primeiro dia como presidente do CNJ, "Toffoli mudou o regimento, eliminou as travas contra nomeação de parentes e uso do CNJ como trampolim político. Favoreceu amigos e revogou a quarentena de juízes auxiliares."

Quando o ministro foi subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil na gestão de José Dirceu, exercia advocacia privada e representava clientes do PT. Registro que a OAB não viu motivo para impedimento.

Toffoli é citado por ter contribuído para o retorno dos militares ao Poder civil quando presidente do STF.

Também não imagino como seria possível suprimir, por exemplo, o nome do ministro no seguinte trecho de meu texto:

"Incomodado por reportagens da revista Crusoé sobre supostas contas vinculadas a advogadas mulheres de ministros do STF, Toffoli instaurou, via portaria, um inquérito para apurar fake news e divulgação de mensagem que atentem contra a honra de integrantes do tribunal. Escolheu o ministro Alexandre de Moraes para a tarefa. Numa típica medida de períodos de exceção, o juiz que se considera alvo de críticas conduz a ação policial e é o julgador final da causa."

Em 10 de maio de 2019, publiquei post sob o título "O silêncio da advocacia diante da censura no Judiciário".

Eis trechos do post:

"A advocacia aderiu em peso ao jantar em torno do ministro Dias Toffoli, no último dia 3, no restaurante Figueira Rubayat, em São Paulo, a título de desagravar o Supremo Tribunal Federal, diante de ataques à instituição e a seus membros.

Os discursos enalteceram o direito à ampla defesa, ao amplo contraditório, as prerrogativas da advocacia, esquecendo-se que Toffoli, numa interpretação elástica de seus poderes, mandou instalar um inquérito com medidas típicas dos períodos de exceção.

No inquérito instaurado pelo ministro Alexandre de Moraes, escolhido por Toffoli para a tarefa, o juiz que se considera alvo de críticas conduz a ação policial e é o julgador final da causa.

No jantar da Figueira, a liberdade de expressão, tão cara aos operadores do direito, deveria ser o prato forte, mas ficou fora do cardápio."

Na programação preliminar do livro do Innovare, meu artigo seria publicado no Terceiro Bloco, em seguida aos textos dos ministros do STF Luiz Fux e Roberto Barroso [veja ilustração acima]. Seria o primeiro texto dos profissionais de imprensa convidados.

Coube ao empresário e jornalista Márcio Chaer, diretor da revista Consultor Jurídico, escrever sobre os bastidores do Judiciário, em artigo intitulado "Justiça reinventativa e jornalismo sem eficácia comprovada contra a desinformação".

Ao citar os profissionais de imprensa pioneiros na cobertura do Judiciário e os que atuam na área, o autor cometeu omissão explícita que o leitor perceberá.

Curiosamente, foi Chaer quem, em 2003, publicou um dos primeiros alertas sobre a censura prévia defendida por um ministro do STF.

Reproduzo seu texto:

"O advogado Luís Francisco Carvalho Filho defendeu, durante a Conferência Judicial sobre Liberdade de Imprensa no Brasil, a desobediência de determinações judiciais que imponham a censura prévia a veículos de comunicação no Brasil.

‘Não vejo autoridade em ninguém neste país para proibir, antecipadamente, a publicação de qualquer notícia’, disse Carvalho Filho, diante de uma plateia de cerca de trinta juízes, para arrematar, com ênfase: ‘Sou favorável à desobediência dessas decisões’. Ao menos um grito de ‘bravo!’ se ouviu da plateia.

Do setor dos juízes, onde se encontravam representantes de praticamente todas as unidades da Federação, a irritação represada foi vazando aos poucos. Mas com impressionante intensidade.

O grito de guerra de Carvalho Filho, que advoga para a Folha de S.Paulo, foi uma resposta à proposição do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes que, pouco antes, afirmara que vedar a publicação de notícia ‘não é incompatível com a Constituição Federal’".

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