Haja Vista

Histórias de um repórter com baixa visão

Haja Vista - Filipe Oliveira
Filipe Oliveira
Descrição de chapéu Folha Social+

Angústias e alegrias de nossas mães

Quando o filho tem uma deficiência, preocupações vão do berço até a velhice dele

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São Paulo

Se a mãe leva o filho que não vê pela mão, o conduz só pelos caminhos tranquilos e impede que sofra qualquer arranhão, ela é chamada de superprotetora e não dá espaço para que ele cresça. Se, por outro lado, decide ignorar as dificuldades dele e não impede que os perigos da vida o atinjam sem que ele possa usar seus olhos para se esquivar, é chamada de irresponsável.

Encontrar um equilíbrio delicado entre esses dois extremos, deixar que seu menino ou menina amadureça como seus amigos, mas sem correr mais riscos do que eles, é o desafio de cada uma dessas mães.

Quando a deficiência chega cedo, na maioria das vezes são elas que enfrentam a Via Crucis de visitas a médicos, terapeutas, especialistas em estimulação precoce. Logo a rotina de mamadeiras é ampliada para incluir também exercícios para que o bebê possa acelerar o desenvolvimento de sua coordenação motora sem o recurso da visão, que permite aos demais meninos e meninas copiar movimentos dos outros e explorar todo o mundo que chega até eles pelos olhos.

Na hora da escola, quantas não foram as mães que, para garantir que seu filho ou filha estudaria em uma instituição comum, junto a crianças que enxergam, largaram sua profissão, aprenderam braille e passaram a dedicar horas e horas do dia para tornar acessíveis materiais que foram pensados só para quem tem visão?

Ninguém vai negar que é injusto que tanto tenha sido posto sobre os ombros dessas mulheres por uma sociedade em que a inclusão engatinha e precisa ser levada no colo materno para acontecer de verdade. Foi difícil, mas conhecendo algumas delas, acredito que fariam tudo outra vez.

Os anos passam, o bebê vira um mocinho, uma mocinha. Já não quer ficar debaixo da asa da mãe o tempo todo. E agora, como deixar partir? Como suportar a culpa se meu menino tropeçar, pegar o ônibus errado, for assaltado, machucado, atropelado?
Quem não enxerga costuma passar por um treinamento com profissional especializado em orientação e mobilidade, que ensina a usar uma bengala e a se orientar em diferentes tipos de ambiente. Não tenho dúvidas de que metade do trabalho do especialista é feito, na verdade, com a mãe, ajudando-a a ter segurança na hora de deixar partir, mesmo que no começo só para ir buscar pão na padaria e voltar em cinco minutos. Já é suficiente para disparar o coração de quem ama.

Além de cuidar sempre, mãe pensa para além dela própria tão logo recebe a notícia da deficiência. Não se preocupa só em saber como seu filho irá estudar, se terá amiguinhos, como vai fazer a lição de casa. Mal ele tirou as fraldas, ela já se pergunta se haverá uma empresa na qual ele poderá trabalhar sendo do seu jeito, se conseguirá cuidar de sua casa, ter um companheiro ou companheira e seguir em frente depois que ela própria, a mãe, não estiver mais aqui.

Eu estava nos meus oito anos quando minha família recebeu a notícia de que eu tinha uma doença degenerativa da retina. A informação chegou para mim atenuada, só sabia que talvez eu precisasse fazer um tratamento nos olhos. Para minha mãe, foi um baque forte, cuja dôr demorou meses ou talvez anos para passar.

Um dia, ela assistiu uma reportagem sobre um cego que andava à cavalo e participava de competições internacionais. Ligou para a Rede Globo e conseguiu o telefone do rapaz. Conversaram por horas. Minha mãe ouviu que o atleta só teve sucesso na vida porque sua mãe não havia nunca deixado a peteca cair. Ela pensou que a dela já estava no chão, mas era hora de levantar e entrar no jogo outra vez.

Com certeza ela passou por mais momentos de dúvida e angústia por causa da minha deficiência do que eu, que sempre tinha uma fortaleza em quem buscar confiança ao menor sinal de hesitação em relação ao que seria de mim.

Que neste Dia das Mães possamos reconhecer e celebrar o empenho dessas mulheres, acolher suas angústias e reconhecer o carinho delas em cada sorriso de seus filhos e filhas.

Vale dizer que hoje o dia é para falar delas, mas espero que cada vez mais todas essas tarefas, desafios e dilemas enfrentados na criação de filhos com deficiência seja compartilhado de forma igualitária dentro de casa. Os pais que se reconheceram nestas linhas também merecem todo o aplauso.

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