#Hashtag

Mídias sociais e a vida em rede

#Hashtag - Interação
Interação
Descrição de chapéu Twitter

Viúvo de mulher com síndrome rara usa Twitter para escrever cartas a ela

Síndrome de Klippel-Trenaunay é má-formação vascular que pode ocasionar trombos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo (SP)

Nas últimas semanas um perfil nas redes sociais, especialmente no Twitter, viralizou ao publicar cartas à esposa, morta em 4 de fevereiro. Quase diariamente Bruno Mendes, 36, compartilha reflexões sobre a perda de Ivy Beatriz (1989-2023) e a criação da filha do casal, Luiza, 4, no Rio de Janeiro (RJ).

Ivy morreu aos 33 anos no início do mês após pedir ajuda ao marido, já quase sem conseguir respirar. Levada ao hospital, ela não resistiu. De acordo com o médico que prestou socorro à mulher, sua morte decorreu de uma embolia pulmonar ocasionada pela síndrome de Klippel-Trenaunay, diz Bruno.

Montagem mostra publicações de Bruno Mendes, marido de Ivy Beatriz, morta em 4 de fevereiro. Ivy tinha a síndrome rara Klippel-Trenaunay
Montagem mostra publicações de Bruno Mendes, marido de Ivy Beatriz, morta em 4 de fevereiro. Ivy tinha a síndrome rara Klippel-Trenaunay - Reprodução/Twitter

O fotógrafo, diretor e editor de making of e short content, que tem cerca de 16 mil seguidores no Twitter, chegou a alcançar 4 milhões de pessoas com algumas destas publicações, e vem sendo questionado nas redes sobre a causa da morte de Ivy.

Para ele, é muito difícil falar sobre o que aconteceu, e os desabafos em poucos caracteres vieram da necessidade de gritar, e a culpa de dividir sua dor com os pais da mulher, que estão em sua casa para ajudá-lo a cuidar de Luiza.

Com a repercussão, Bruno gostaria de criar espaço para falar sobre a síndrome de KT. Ele diz que há pouca informação disponível sobre a síndrome, e mesmo que Ivy tenha tomado cuidados durante toda a vida, inclusive com precauções específicas ao longo da gravidez para diminuir o risco de trombose, o viúvo gostaria de ter tido mais informações sobre a doença.

Um dos motivos para a falta de informações é o fato de que a síndrome de Klippel-Trenaunay é uma má-formação vascular rara: menos de três a cada mil pessoas no Brasil são diagnosticadas com a doença, que é caracterizada pela formação anômala de vasos, manchas avermelhadas, chamadas vinho do porto, sobre o corpo, hipercrescimento de tecidos linfáticos e ósseos. Essa má-formação acontece devido a uma mutação associada ao gene PIK3CA, que estimula o crescimento dos tecidos, durante o desenvolvimento do feto.

Segundo Dov Charles Goldenbger, cirurgião plástico responsável pelo grupo de anomalias vasculares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, que trabalha com o tema há 24 anos, pacientes com má-formação venosa grande podem ter embolia pulmonar porque os vasos anômalos podem estar conectados aos vasos principais do corpo, transportando um pedaço de trombo solto em direção ao coração e de lá, para pulmão, diz o especialista. A formação de coágulos acontece porque pode haver um fluxo sanguíneo mais lento.

Para Bruno, há pouca informação disponível sobre a síndrome de Klippel, e mesmo que Ivy tenha tomado cuidados durante toda a vida, inclusive com precauções específicas ao longo da gravidez para diminuir o risco de trombose, o viúvo diz que gostaria de ter tido mais informações sobre a doença.

Assim como ele, Jaala Dias, 45, busca espaço para debater o tema. Ela tem a síndrome e conta que, apesar de fazer acompanhamento médico e cirurgias investigativas por causa da mancha vermelha em sua perna desde pequena, só escutou o nome "Klippel" aos treze anos. "Eu procurei um médico porque queria consertar a minha perna, mas descobri que não teria solução", diz Jaala, que passava muito tempo internada e imobilizada.

Ela conta que ficou muito triste e passou décadas em busca de se aproximar de pessoas com histórias similares a sua, começando a se conectar com outros pacientes de KT nos consultórios em que fazia acompanhamento, trocando telefones, e posteriormente assumindo uma comunidade no Orkut, rede social famosa no início dos anos 2000, para promover encontros anuais entre os integrantes. "Eu pensava: um dia alguém vai criar uma ONG e cuidar de todos nós", diz.

Aos 40 anos, Jaala se tornou esse alguém. Impulsionada pela morte de pessoas por complicações do Klippel, especialmente crianças, por falta de informações e até mesmo por não haver consenso entre os médicos, ela começou a reunir pessoas com quem tinha estabelecido alguma conexão ao tempo e fundou o Instituto KT Brasil. Um dos objetivos da ONG é facilitar a conexão entre os pacientes de KT e os serviços públicos de saúde. Atualmente, mais de 500 pessoas em todo o Brasil contam com o apoio da instituição, segundo Jaala, que se tornou assistente social para especializar seu atendimento.

"Nós já conseguimos articular junto às Secretarias de Saúde dos estados, encaminhando pacientes para a rede do SUS. Vimos que é preciso desbravar esse caminho na área da revisão literária também", diz a presidente do instituto.

Atualmente a organização oferece uma bolsa para a revisão de literatura sobre a síndrome. Para Jaala, reunir as informações existentes é importante para desenvolver protocolos no SUS. "Nem que seja para que os médicos não especializados consigam cuidar pelo menos dos casos urgentes. Existe uma diversidade da doença, mas também uma grande quantidade de pessoas dentro de cada diversidade", diz.

A morte de pessoas com quadros similares ao seu e o de Ivy, com dores crônicas e distúrbio de coagulação, mas sem comprometimento linfático, poderiam ser evitadas com adoção de medidas protocolares. "Eu lido diariamente com o medo de perder mais alguém", diz Jaala.

De acordo com a cirurgiã vascular e endovascular Debora Ortigosa, de São José dos Campos (SP), as medidas e os medicamentos necessários muitas vezes envolvem anticoagulantes como forma preventiva no caso de haver predisposição à coagulação do sangue ou trombofilia, como se sugere ter sido o caso de Ivy, mas os tratamentos devem ser feitos de forma individualizada.

De modo geral, o uso de meias de compressão é importante para estimular o retorno venoso e linfático, e manter hábitos saudáveis, como praticar exercícios físicos e não fumar, devem compor rotina das pessoas com síndrome de Klippel. Em alguns casos, o uso ininterrupto de anticoagulantes pode ser adotado. Em outros, cirurgias para retirar veias anômalas podem funcionar.

Dov Goldenbrg diz ainda que o acompanhamento médico deve ser feito por um time multidisciplinar, com profissionais especializados em anomalias vasculares, incluindo hematologista, radiologista, dermatologista, psicólogo e até pediatras. "No Brasil, isso é difícil, seja na saúde pública ou particular", diz o especialista.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.