Maternar

No blog, as mães Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti abordam as descobertas do início da maternidade

Maternar - Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti
Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti

Com câncer de mama, mãe faz ensaio de despedida da amamentação

Bento tinha apenas três meses quando Isabelle precisou fazer uma mastectomia

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São Paulo

Amamentar é um sonho para muitas mulheres e envolve esforço, dedicação e busca por informação. A fotógrafa Isabelle Favarin, 40, amamentou seu primeiro filho, Artur, até um ano. Quando Bento nasceu, seu desejo era amamentar por mais tempo, porém um tratamento de câncer de mama e uma mastectomia interromperam seu projeto.

Para eternizar aquele momento com o bebê, ela decidiu fazer um ensaio fotográfico antes do início da quimioterapia. Hoje, curada, Isabelle conta que precisou ressignificar muitas coisas após o tratamento e que ajuda mulheres que passam pelo mesmo problema de saúde que ela viveu.


"Assim que meu filho nasceu, aprendi com as enfermeiras da maternidade uma massagem para evitar que o leite empedrasse. No primeiro mês tive mastite, precisei tomar remédio e foi bem puxado, mas continuei me massageando.

Quando meu filho completou três meses de vida, durante uma dessas massagens, descobri um caroço em cada peito, mas achei que fosse leite empedrado.

Desconfiada, procurei a médica porque achava que algo estava errado. Ela me passou um pedido de ultrassom. Fui com toda a família. Era um sábado. O médico que realizou o exame achou um pouco estranho e decidiu fazer uma mamografia na hora para descartar a hipótese que tinham.

Na saída do exame, fui tranquilizada pela enfermeira. Ela me explicou que quando descobre no início, dá tudo certo. Certamente ela percebeu minha vulnerabilidade. Estava com o bebê no colo naquele momento.

Saiu o resultado e minha médica me encaminhou para a biópsia. O resultado chegou quando estava na casa dos meus pais. Lembro que meu filho mais velho estava brincando na garagem enquanto o mais novo estava no meu colo, e minha mãe ao meu lado.

Quando abri, o resultado dizia "carcinoma invasivo". Minha médica quis conversar pessoalmente no consultório.

Ali abriu um buraco no chão. Fiquei sem rumo, sabe? Sem saber a forma com que aquilo estava no meu corpo, de como estava me afetando.

A médica me informou que estava nos dois seios. A partir daquele momento fiquei mais tensa, assustada. Estava no meio do puerpério. Ela me avisou que teria que começar o tratamento logo e que também teria de parar de amamentar meu filho. Foi um balde de água fria.

Chorei muito. Meu filho tinha apenas três meses, era muito pequeno. Artur, meu primeiro filho, mamou até o primeiro ano. Voltei ao trabalho muito cedo e como ele começou a usar a mamadeira e chupeta, desmamou. Então tinha na cabeça que o Bento iria mamar até quando ele quisesse. Quando ele quisesse parar, eu pararia de dar. Só que nem sempre o que a gente quer é o que a vida coloca na nossa frente.

Eu desmamei meu filho na semana anterior ao início do tratamento. Foi bem difícil. Ele não queria pegar a mamadeira de jeito nenhum. Era muito pequenininho. Apesar de estar confiante, esse lado emocional pesou bastante.

Tirei um monte de leite para ele, deixei várias reservinhas. Não tantas, porque também queria que ele mamasse no seio enquanto desse. Para ter uma despedida.

Sou fotógrafa e chamei uma colega para tirar umas fotos. Queria registrar aquele momento e eu sabia que ele ia acabar. Falava para o Bento que não ia mais amamentá-lo, mas que continuaria a cuidar dele, que ia parar de amamentá-lo para poder cuidar de mim. Eu precisava estar bem para cuidar deles. Conversava muito, mesmo sendo muito pequeno. É engraçado, mas parecia que ele estava entendendo. É engraçada essa conexão.

O tratamento começou rápido. Em menos de um mês do diagnóstico fiz a primeira quimioterapia. Queria encarar tudo de forma positiva, sempre achei que ia dar certo desde o começo. Pensava "vou me livrar disso rápido, isso não me pertence".

Mas quando cheguei em casa, estava muito cansada, consumida fisicamente e emocionalmente. Tive uma crise de ansiedade muito forte, falta de ar e a achei que não fosse aguentar, que minha vida fosse acabar ali. Liguei para a minha mãe vir ficar comigo. Meu marido estava em casa, mas eu precisava dela. Acordei com os seios duros, com muito leite. Extraí com a bombinha e depois dei uma cochilada. Essa primeira etapa foi muito desgastante. Até pedi para minha médica um remédio para parar de produzir leite.

Fiz poucas sessões de quimio, acho que foram umas oito. Só bem depois fui me acostumando com os efeitos colaterais.

Por eu ter apenas 35 anos e dois casos da doença na família, a médica pediu um exame genético, e deu que eu tinha uma mutação. Por causa disso, a cirurgia que seria apenas para tirar os dois nódulos virou uma mastectomia.

Depois disso, tive que fazer a radioterapia que é supercansativa. Não dá para romantizar esse processo todo. Eu passei, estou bem. Mas não dá para romantizar, foi muito complicado. Tinha uma criança e um bebê em casa.

Minha mãe, meu pai, minha irmã e meu marido sempre ficaram do meu lado, seja para cuidar da casa e das crianças ou para estar comigo nas sessões. Mas por mais que tivesse essa rede de apoio, eu também era mãe. Eu tinha uma casa para cuidar, tinha filhos para cuidar.

A gente descobre uma força dentro que não sabe de onde vem. Eu falava "Nossa Senhora, você que é mãe, você entende minha situação". Eu sempre pedia forças. Meu objetivo era ficar viva para cuidar dos meus filhos, queria vê-los crescendo. Todo dia eu acordava e agradecia por mais um dia.

O câncer não tinha se espalhado, só estava nos seios e foi reduzindo desde a primeira sessão.

A terapia foi muito importante nesse processo todo, pois tive que ressignificar toda essa história. Recentemente, tirei os ovários. Tive todo um entendimento que isso não me faz menos mulher. É uma redescoberta, a gente se fortalece de outra forma.

Hoje o Bento tem 4 anos e o Artur, que na época tinha 5, está com 9. Encaro o que passei de uma forma mais leve. Tento, inclusive, ajudar outras mulheres com isso. Ainda existe muito tabu em cima desse assunto.

Tenho marcas, mas nunca tive receio de mostrá-las. Explico para os meus filhos nas palavras que acho que eles vão entender.

Tudo na nossa vida acontece por uma razão. Passei a valorizar pequenas coisas, acordar de manhã mais agradecida. Ter esse entendimento que a morte pode acontecer e que a gente é frágil nos dá outra visão de mundo".

Tatuagem no antebraço direito mostra o contorno de uma mulher sem rosto amamentando um bebê e abraçada a um menino, também sem rosto, póximo ao seu seio esquerdo, que está à mostra. Na frente deles, três grandes girassóis
Para eternizar a amamentação, Isabelle tatuou o braço direito - Sharon Eve Smith/Arquivo Pessoal

CÂNCER DE MAMA GESTACIONAL

O câncer de mama gestacional, que ocorre durante a gravidez até um ano do pós parto, é raro. Tem a incidência de 1 em cada mil gestações e corresponde a 0,4% dos diagnósticos de câncer de mama em mulheres entre 17 e 49 anos.

"Qualquer nódulo palpável persistente por mais de uma semana precisa ser investigado", alerta Fernanda Leite, cirurgiã mastologista do A.C.Camargo.

Paula Moraes, coordenadora de imagem mamária do Salomão Zoppi, explica que durante a amamentação, as mamas ficam mais densas e isso pode dificultar o diagnóstico. "É comum também que algumas áreas dos seios fiquem mais duras ou sensibilizadas durante o período, mas elas se normalizam após amamentação ou massagem", explica.

O ultrassom é o exame mais recomendado e a mamografia é a segunda opção. Ela pode ser feita durante a amamentação e lactação, pois a dose de radiação para o bebê é muito baixa. "Uma paciente toma mais radiação em uma viagem de avião do que durante a mamografia", explica Paula.

Nos casos em que o câncer é detectando, a suspensão da amamentação é indicada durante o tratamento. "Alguns medicamentos podem ser passados para o leite, o que torna a amamentação arriscada. Na cirurgia, também é recomendado que a mama esteja vazia, para evitar sangramento em excesso", pontua Paula.

Sobre a prevenção, Fernanda Leite ressalta: "Amamentar faz com que ocorra uma renovação celular constante, além das alterações hormonais que reduzem em 4,3% a cada 12 meses de amamentação, a chance da mulher desenvolver o câncer de mama".

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