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No blog, as mães Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti abordam as descobertas do início da maternidade

Maternar - Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti
Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti

Vista como 'birra', crise emocional requer cuidado em crianças autistas

Cuidadores também precisam de acompanhamento emocional, explica especialista

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São Paulo

A gerente financeira Priscilla Sanches, 40, perdeu as contas de quantas vezes ouviu que deveria ser mais enérgica para conter o que chamam de "birras" do filho Davi, 5.

O menino, que tem autismo, às vezes se desregula e passa por crises emocionais. "Somos olhados como se fôssemos extraterrestres, como se eu fosse culpada por aquela situação, da qual não existem culpados", diz a mãe. Segundo ela, o preconceito acontece, inclusive, dentro da família.

Selfie de Davi e Priscilla sorrindo. Ele é um menino de cinco anos, branco com cabelo castanho escuro e liso. Ela é uma mulher loira, tem pele clara e seu cabelo é liso e comprido. Estão sentados lado a lado.
Priscilla e o filho: terapias diárias resultaram na melhora do desenvolvimento de Davi - Arquivo Pessoal

A estudante de pedagogia Erika Mariano, 40, também conhece essa cena. Quando se desregula, sua filha Marina, 5, grita, corre, chora e se joga no chão. Por causa disso, uma escola não aceitou matricular a menina no passado e sua família já deixou de ser convidada para alguns eventos sociais.

Lidar com esse tipo de comportamento é uma das grandes dificuldades dos pais de crianças autistas. Uma pesquisa de 2020 da Genial Care, startup que oferece tratamento humanizados para famílias com crianças com autismo, mostrou que 57% dos cuidadores relataram dificuldades em saber o que fazer ou como lidar com essa situação.

Se por um lado há olhares de reprovação ou conselhos descabidos, há também quem acolha e respeite a criança, como lembra Erika.

Marina estuda em uma escola com turma reduzida e há apoio de uma terapeuta em todo o tempo. Ela está totalmente adaptada à rotina escolar, mas às vezes ocorrem crises durante as aulas.

"A turma dela é bem compreensiva durante os momentos em que ela se desorganiza. Além de entender que o grito e o choro são formas de se expressar, eles também a ajudam a se regular e procuram entender qual é a necessidade dela naquele momento", afirma.

Erika conta que um dia seu marido precisou buscar Marina mais cedo na escola e, ao chegar, ouviu a filha chorando. "Ela estava no refeitório e os amiguinhos em volta fazendo exercícios para ela se acalmar. Um deles a mandava respirar e outro fazia carinho na barriguinha dela", lembra.

Foto colorida de Marina e Erika sorrindo. A menina tem cinco anos, está à esquerda. É branca, tem cabelo liso e comprido. Erika, à direita, é morena, tem cabelo enrolado e usa um cordão colorido com quebra-cabeças nas cores amarela, vermelha, azul e verde.
Erika Mariano e a filha Marina, que é autista. Amigos na escola acolhem e ajudam durante as crises - Arquivo Pessoal

"Pessoas com TEA (transtorno do espectro autista) têm dificuldades de controlar esses comportamentos. Justamente por isso, pessoas erroneamente dizem que estão desobedecendo ou estão com birra", explica Carol Rorato, coordenadora de ABA (sigla em inglês para análise do comportamento aplicada) da Genial Care.

"É importante dizer que existe o histórico de cada pessoa, então só é possível dizer qual é a melhor alternativa para lidar com a crise de cada criança após uma avaliação individual", explica a especialista.

REFEIÇÃO

Priscilla e Erika também enfrentam desafios na hora da refeição dos filhos. Davi não aceita comer frutas enquanto Marina não come nada na cor amarela. A menina também rejeita legumes e verduras.

"A criança com TEA pode não conseguir lidar com a textura de determinados alimentos, recusar tocar ou mesmo cheirar a comida", pontua Patrícia Junqueira, fonoaudióloga e diretora do Instituto de Desenvolvimento Infantil.

A especialista explica que muitas crianças dentro do espectro podem, inclusive, se desregular no momento da refeição em família. "Para outros, sentar-se à mesa e participar da refeição com outra pessoa falando já é muito estressante", diz.

Ela recomenda identificar fatores ambientais que possam ser mais desafiadores para a criança. "Diminuir o ruído do ambiente ou não deixar a travessa com alimentos muito próxima da criança para que o cheiro e o visual não incomodem podem ajudar".

Outro ponto é não insistir ou forçar a criança a comer. "Sempre deve ter algo que ela já aceite e que já esteja familiarizada", observa.

TERAPIAS

Fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, psicólogos e pedagogos são alguns dos profissionais que devem acompanhar uma criança autista.

Porém nem sempre o SUS ou os convênios médicos oferecem a quantidade necessária de sessões para que a criança consiga se desenvolver.

Erika precisou entrar na Justiça para obter o tratamento da filha pelo convênio. Se fosse pagar, por mês, precisaria desembolsar cerca de R$ 55 mil.

Já Davi é atendido gratuitamente pela AMA (Associação de Amigos do Autista). Na época em que dependia do convênio, Priscilla conta que o menino apresentou regressão no desenvolvimento. Hoje ele faz terapias diariamente e sempre apresenta uma nova palavra, conta a mãe.

"O desenvolvimento dele é como se fosse a recompensa por tudo aquilo que um dia deixei para trás", desabafa Priscilla. Graduada em quatro cursos na área de finanças, ela precisou abrir mão da carreira para se dedicar integralmente aos cuidados com o filho. "Guardei tudo na gaveta para me dedicara ao Davi, e hoje é ele meu maior 'case' de sucesso", diz.

TRATAMENTO PRECOCE

O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades na comunicação, problemas de interação social, interesses reduzidos, movimentos estereotipados e não funcionais. Ele não tem cura, mas o diagnóstico precoce permite a independência e eleva a qualidade de vida e acessibilidade dessas crianças, graças à neuroplasticidade cerebral.

Segundo a OMS, uma a cada 160 crianças possui um Transtorno do Espectro do Autismo. Porém, uma pesquisa recente do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos mostrou que uma a cada 36 crianças americanas com menos de oito anos tem autismo. Dois anos antes a taxa era de um caso a cada 44.

Em geral, o transtorno se instala nos três primeiros anos de vida e cada paciente exige um tipo de acompanhamento específico e individualizado.

Segundo Bernardo Athayde, neurologista do Hospital São Francisco (no Distrito Federal), os pais devem estar atentos aos marcos do desenvolvimento infantil para verificar eventuais atrasos na fala ou no desenvolvimento psicomotor das crianças.

O diagnóstico do autismo deve ser realizado de forma clínica por meio de observação do comportamento do paciente e de uma entrevista com os pais ou cuidadores.

Athayde também ressalta a importância do acompanhamento emocional dos cuidadores. "Há um desgaste muito grande que pode que culminar em problemas conjugais. Fora isso, os níveis de ansiedade são elevados e, muitas vezes, há quadros de depressão devido às dificuldades no convívio familiar", explica.

INDICAÇÃO DE INSTITUIÇÕES

AMA - Associação Amigos do Autista

https://www.ama.org.br/site/

ABRA – Associação Brasileira de Autismo
http://www.autismo.org.br

Federação Nacional das APAES
www.apaebrasil.org.br

Instituto de Desenvolvimento Infantil
https://institutoinfantil.com.br/

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