Sem opções, pais de crianças autistas criam produtos para incentivar filhos

Brinquedos, aplicativos e roupas estão entre as soluções voltadas ao segmento

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Denise Meira do Amaral

Sem opções no mercado, pais de crianças autistas passaram eles próprios a investir em soluções e produtos para o segmento.Rafael Abreu Mendes, 42, que esteve em cinco médicos com seu filho Francisco, 14, até ele receber o diagnóstico de autismo, aos três anos, precisou encomendar equipamentos e brinquedos de fora do país.

"Comecei a importar para que isso fosse acessível não só para meu filho, mas para outras crianças", conta.

Rafael Abreu Mendes, 42, e o filho Francisco, 14, no balanço de laicra da marca Alma Azul, desenvolvida  pelo pai em 2012 para pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista)
Rafael Abreu Mendes, 42, e o filho Francisco, 14, no balanço de laicra da marca Alma Azul, desenvolvida pelo pai em 2012 para pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) - Jardiel Carvalho/Folhapress

Com os altos custos da importação, porém, passou a fabricar os próprios produtos e lançou uma loja virtual, a Alma Azul, em 2012. O primeiro foi o balanço de laicra, uma espécie de casulo multifuncional que permite que a criança se estique e tenha uma experiência sensorial que a acalma e organiza (R$ 399).

Em seguida, Rafael lançou mordedores (em torno de R$ 40), usados para reduzir a ansiedade, e massinhas de areia e gelecas que mudam de temperatura, para estimular a parte tátil, além de objetos para atividades motoras, como adaptadores para lápis (R$ 15) e joguinhos para a coordenação de diversos modelos.

Francisco está no sétimo ano em uma escola regular e é garoto propaganda no Instagram da loja, que conta com quase 7.000 seguidores. Ele próprio avalia e explica muitos dos produtos —a marca tem mais de 300 opções e recebe cerca de 400 pedidos por mês.

"No ano passado, sentimos o efeito da pandemia, mas a partir de novembro as vendas aumentaram muito, superando 2019 em 50%", diz Rafael.


Já o cientista da computação capixaba Ronaldo Cohin, 37, largou sua banda de rock e criou um aplicativo para estimular funções cognitivas de crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista) como parte de seu projeto de conclusão de curso, em 2017.

À época, seu filho Lucas, 7, acabara de receber o diagnóstico de autismo. "Tirei 6 no TCC, uma nota baixa, mas no mês seguinte fui indicado para o prêmio Campus Mobile da USP e o Jade [nome do projeto] ficou em primeiro lugar. Comecei a receber uma série de telefonemas de pessoas querendo investir".

O Jade disponibiliza gratuitamente uma série de jogos de associação e de memória, por meio de sessões diárias de 10 a 15 minutos com auxílio dos responsáveis. A ideia é que o uso da tecnologia na administração de terapias para o autismo diminua a distância entre as horas de terapia recomendada para crianças com TEA.

O grande diferencial é que o aplicativo é capaz de coletar os dados do comportamento da criança durante o jogo, de acordo com a forma que ela reage a certas situações, e consegue fazer uma mensuração cognitiva de cada criança.

O aplicativo só é pago para o uso em clínicas e por profissionais, que recebem ainda relatórios detalhados e cursos de anamnese. Os planos para profissionais custam a partir de R$ 59,90 por mês.

Em dezembro do ano passado, a empresa foi eleita a melhor startup na categoria impacto social e ambiental na maior feira de negócios e inovação do mundo, a Gitex Future Stars, em Dubai.

O Jade, que é hoje um aplicativo e uma plataforma, conta com 1.550 jogos e quase 100 mil usuários espalhados por 179 países. Ele está disponível em português, inglês, espanhol e árabe.

Ronaldo Cohin mostrando celular com o aplicativo Jade
Ronaldo Cohin, que criou o aplicativo Jade para estimular funções cognitivas de crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista) - Divulgação


Julia Nycolack, 24, de Curitiba, também resolveu criar sua própria marca após encontrar dificuldade em vestir seu filho Arthur, de três anos. Como ele era um bebê agenciado e fazia muitas fotos publicitárias, Julia começou a notar que ele chorava muito quando tinha de usar uma calça jeans ou uma jaquetinha mais incrementada, mas aceitava muito bem quando vestia um pijaminha.

"A primeira camisa polo que pus, ele gritava e se debatia como se estivesse pegando fogo. Descobri essas disfunções sensoriais antes mesmo de ele receber o diagnóstico de autismo", afirma.

Assim nascia a marca Tico e Tica, resultado de um trabalho de conclusão da faculdade de moda. "Qualquer textura diferente ou até mesmo um simples zíper, que é gelado e faz barulho, vai ser uma demanda extra para a criança lidar. O mesmo acontece com cadarços, etiquetas, costuras e certos tecidos", explica.

Apesar de receber pedidos, a Tico e Tica ainda não entrou no mercado por estar à espera de investidores. "É difícil olhar para a deficiência. É mais fácil excluir do que incluir."

Embora não seja autista, o americano Kenny Laplante, 30, teve um significativo atraso verbal quando criança e, se não fosse todo o tratamento recebido nos EUA, acredita que seu desenvolvimento poderia ter sido outro. Por isso, passou a investir em empresas que usavam tecnologia para melhorar as vidas das crianças.

"É uma forma de contribuir com o mundo e, além disso, é um mercado enorme e ainda mal servido."Já em São Paulo e casado com uma brasileira, Kenny fundou a Genial Care, empresa de tecnologia que funciona como uma clínica virtual para os responsáveis pelas crianças do espectro autista, em junho do 2020.

"O propósito é cuidar de quem cuida. Os pais convivem com a criança muito mais tempo do que qualquer terapeuta ou profissional de saúde", afirma Kenny, que apostou nas consultas virtuais antes mesmo das restrições sociais da pandemia.

A Genial Care oferece encontros pelo Zoom com a equipe clínica e um aplicativo com uma série de conteúdos, além de estreitar conexões com outras mães e pais de crianças com condições similares. O valor do serviço, que depende de uma avaliação clínica individual, não foi divulgado.

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