Descrição de chapéu Artes Cênicas

Dez anos depois das labaredas, Cultura Artística traceja recomeço

Ruínas cedem lugar a máquinas pesadas que trabalham em sua reconstrução, estimada para 2021

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Na manhã de 17 de agosto de 2008, o ator Marco Nanini acordou com um telefonema que trazia uma notícia perturbadora. O palco onde se apresentara horas antes, na peça "O Bem Amado", tinha sido consumido pelo fogo.

Dez anos depois do incêndio, as ruínas do teatro Cultura Artística, no centro de São Paulo, dão lugar a máquinas pesadas que, desde março, fazem as bases para a reconstrução do lugar, com previsão de reinauguração em 2021.

A causa do fogo é desconhecida até agora. O que se sabe é que o incêndio começou perto da cortina do palco da sala principal, com 1.156 poltronas.

O novo teatro será mais compacto. Terá 750 lugares na sala principal e 150 na menor. A obra custará R$ 100 milhões, diz Frederico Lohmann, superintendente da instituição.

Parte dos R$ 30 milhões já arrecadados para reerguer o espaço, ele conta, foi usada para demolir ruínas do prédio, criar o projeto e recuperar o painel de Di Cavalcanti na fachada do teatro. Para o restauro, feito pela arquiteta Isabel Ruas em 2011 e 2012, foram destinados R$ 4 milhões.

O novo desenho do teatro, realizado pelo escritório Paulo Bruna Arquitetos Associados, vai manter algumas das características do prédio original, inaugurado em 1950 com apresentação da Orquestra Sinfônica de São Paulo, que tocou obras dos compositores Heitor Villa-Lobos e Camargo Guarnieri, tendo a própria dupla como regente.

"O novo Cultura Artística manterá um diálogo próximo com o original, buscando preservar e valorizar as características que fizeram do antigo um marco", diz Lohmann.

O espaço na rua Nestor Pestana marcou a história do teatro paulistano. Um ano antes de virar cinzas, foi o último palco em que pisou Paulo Autran, em plena atividade em "O Avarento". Também foi a casa de Antônio Fagundes em montagens como "Cyrano de Bergerac" e "Fragmentos de um Discurso Amoroso", ambas encenadas nos anos 1980.

Os atores Marco Nanini e Ney Latorraca levaram mais de 1 milhão de espectadores ao Cultura Artística entre 1989 e 1997, época em que ficaram em cartaz com a peça "O Mistério de Irma Vap", de Charles Ludlam. Era tanta procura que cadeiras extras eram colocadas no fundo da plateia para acomodar o público na sala principal do espaço.

"Aquilo foi um fenômeno. Tenho carinho especial pelo Cultura, uma casa tradicional que acolheu muita gente", conta Nanini, que estava em cartaz com "O Bem Amado" —no mesmo palco onde reluziu ao lado do amigo—, quando o incêndio transformou o local em cinzas. "Fui acordado com a notícia. Fiquei chocado, atônito", lembra.

Ney Latorraca também fala do espaço com saudosismo. "Pegamos o teatro pra nós, ficou nosso. Tenho uma ligação grande", afirma o ator. "Não estava no Brasil quando soube do incêndio, mas fiquei triste. É uma alegria saber da volta do Cultura. Quero estar lá na estreia", diz Latorraca.

Nanini também conta que fez amigos ali. "Muitos, desde a administração até a bilheteria. Era engraçado, porque tinha o hábito de me esconder atrás da [bilheteira] Diná para observar o público do dia."

O teatro também foi a casa do pianista Nelson Freire, que usou o palco do Cultura Artística desde o começo de sua carreira. Foi ali também, entre 1961 e 1970, quando o teatro foi alugado para a extinta TV Excelsior, que José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha, gravou grande parte de seus programas.

A TV faliu em 1970 e, como usava o espaço como estúdio, entregou o teatro em condições mais precárias e sem manutenção. Durante sete anos, o lugar passou por uma grande reforma e reabriu em 1977.

O teatro, que antes abrigava peças teatrais, musicais, balés e outros espetáculos, deve se tornar agora um espaço para concertos de câmara.

O projeto contou com a ajuda de consultores internacionais e, com isso, a Sociedade Cultura Artística, já especializada em trazer grandes orquestras para o Brasil, optou por construir um teatro específico, para até 60 músicos, na tentativa de criar um endereço que ainda não existe em São Paulo, segundo Lohmann.

"A ideia é que o novo teatro Cultura Artística tenha apresentações mais intimistas de quartetos de corda, concertos para piano e para canto, música popular brasileira, pequenas orquestras, além de jazz."

O Cultura, como era conhecido, é uma das principais obras do arquiteto Rino Levi. É um dos poucos bens em São Paulo tombados nas três esferas de proteção histórica. "O retorno do Teatro Cultura Artística resgata esse patrimônio para a cidade de São Paulo", diz o superintendente.

Lohmann ressalta que o térreo voltará a ter lojas abertas para a rua, um café e uma livraria, como era a intenção original do projeto do arquiteto. Na área central, onde ficava a entrada do público, será instalado um restaurante.

A Sociedade Cultura Artística, responsável pelo espaço privado, já conseguiu parte dos R$ 30 milhões por meio de 400 doações, que variam entre R$ 600 e R$ 4 milhões, para a primeira fase da obra. "Qualquer valor é válido e pode ser oferecido pela sociedade em geral", diz Lohmann.

Além das doações feitas por meio do programa Seja Amigo da Cultura Artística, ele explica que o projeto do novo teatro ganhou aprovação do Ministério da Cultura para levantar fundos com patrocinadores, por meio da Lei Rouanet.

"Dois terços do valor já arrecadado foram por meio dessa lei de incentivo e das empresas que abraçaram a causa."

O superintendente diz que o motivo de a reforma ter levado uma década para ter início foi a demora de anos para conseguir a aprovação da prefeitura para o novo projeto.

"Foi então que percebemos que precisaríamos redimensionar os planos, porque os custos ficariam muito altos. O segundo projeto foi desenvolvido com muitos detalhes para não haver imprevistos."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.