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Salvador Nogueira

Astrônomos obtêm primeira imagem do buraco negro no centro da Via Láctea

Resultado vem de consórcio internacional liderado por grupo de Harvard, nos EUA

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Pela primeira vez, astrônomos conseguiram registrar a região de sombra do buraco negro gigante que mora no coração da nossa galáxia, a Via Láctea.

O resultado, obtido pelo consórcio internacional EHT (sigla inglesa para Telescópio do Horizonte dos Eventos), foi apresentado em evento organizado em Washington pela Fundação Nacional de Ciência dos EUA.

Primeira imagem do buraco negro supermassivo Sagitário A*, no centro da nossa galáxia
Primeira imagem do buraco negro supermassivo Sagitário A*, no centro da nossa galáxia - EHT

O nome do projeto, que tem a liderança de pesquisadores do Centro para Astrofísica Harvard-Smithsonian, faz alusão à fronteira matemática que separa o ponto de não retorno de um buraco negro. Cruzado o horizonte dos eventos, a gravidade do objeto é tão grande que nada pode escapar dele, inclusive a luz.

Daí vem o nome dessa classe de astros, bem como sua aparência esperada: uma sombra escura, correspondente à região de onde a luz não pode mais escapar.

VELHO E MISTERIOSO CONHECIDO

A ideia de que buracos negros pudessem existir foi amadurecendo lentamente na comunidade científica. O primeiro a derivar sua possível existência a partir das equações da relatividade geral foi o alemão Karl Schwarzschild, ainda em 1915, quando a teoria acabara de ser apresentada por Albert Einstein.

Mas por um bom tempo tudo não passou de uma especulação matemática. Somente quando os astrofísicos entenderam o que acontece com estrelas de alta massa quando morrem, duas décadas depois, notou-se que a natureza de fato fornecia um caminho para esmagar matéria além de um ponto em que nem mesmo a luz consegue escapar da gravidade.

Desde então, eles vêm sendo levados a sério pelos astrônomos. Os mais comuns são os nascidos da implosão de estrelas individuais. Mas descobriu-se que há também os de porte intermediário, com milhares de vezes a massa do Sol, e os supermassivos, com milhões a bilhões de massas solares.

Os que moram no coração de cada galáxia são desse terceiro tipo. Até 2019, seu estudo só era feito de maneira indireta –detectando a radiação emitida da matéria prestes a cair nele e analisando o movimento de estrelas que orbitassem ao seu redor.

Tudo isso mudou quando a equipe do EHT apresentou a primeira imagem direta da sombra de um buraco negro supermassivo –no caso, do objeto gigante que mora no coração da galáxia M87, a 53,5 milhões de anos-luz de distância, com massa equivalente à de 6,5 bilhões de sóis.

Foi o ponto culminante de um trabalho de décadas, explorando uma técnica conhecida como interferometria de base muito longa, cujo objetivo é combinar observações feitas por vários telescópios avulsos separados por longa distância em uma única imagem. Isso equivale, grosso modo, a ter um telescópio cuja área é do tamanho da maior distância entre os diferentes elementos.

A primeira observação da equipe do EHT foi realizada em 2006, e os dados que geraram a imagem do buraco negro gigante de M87 foram colhidos em 2017, a partir de oito conjuntos de radiotelescópios, espalhados por Europa, Estados Unidos, Chile e até mesmo o polo Sul. Na prática, foi como ter um telescópio do tamanho da própria Terra. E só assim foi possível detectar a sombra do objeto.

DOSE DUPLA

O plano original sempre foi mirar dois objetos: além do buraco negro de M87, o alvo mais óbvio –o buraco negro do centro da nossa própria galáxia, objeto conhecido como Sagitário A* (pronuncia-se "a-estrela" e, claro, está na constelação de Sagitário). Só que ele se mostrou mais desafiador. Apesar de muito mais perto, a pouco menos de 30 mil anos-luz da Terra, ele também é bem menor, com massa de 4 milhões de sóis.

Isso, por sua vez, faz com que o gás cercando o buraco negro, prestes a cair nele em velocidades próximas à da luz, complete uma volta ao redor de Sagitário A* em questão de minutos. Isso cria complicações para enxergar a sombra do buraco negro, em comparação com o que foi feito com M87, onde o gás, embora viajando à mesma velocidade, leva muito mais tempo para circular o horizonte dos eventos.

Em 2019, o grupo do EHT disse ter resultados de Sagitário A*, mas mais difíceis de processar. E ninguém sabia àquela altura o quanto seria possível extrair dos dados, apresentados agora. "O resultado foi uma imagem que, até terminarmos a análise, não tínhamos certeza de que poderíamos obter", disse Vincent Fish, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Agora, temos pela primeira vez uma visão próxima do monstrengo que mora no coração da nossa galáxia.

​"São agora dois laboratórios para testar nossas predições", disse Feryal Özel, da Universidade do Arizona, ao apresentar a nova imagem, ao lado da imagem do buraco negro de M87. De acordo com ela, a imagem segue muito de perto o que previa a relatividade geral, nossa melhor compreensão da ​gravidade.

EXEMPLO MODESTO

Enquanto o exemplar de M87 representa um dos casos mais extremos, com sua massa altíssima, o da Via Láctea está mais alinhado com o que os cientistas esperam de um buraco negro supermassivo típico. E uma das coisas interessantes em ter as duas observações é que ambos se revelaram bem parecidos, a despeito da enorme diferença de tamanho.

A vantagem de estudar Sagitário A* a partir de agora é que é muito possível obter mais detalhes de seus arredores e entender seu ambiente. Sabemos que se trata de um objeto no momento "entre refeições", consumindo muito pouca matéria, e é isso que permite que consigamos ver a sua sombra.

E se, por um lado, o resultado é quase uma réplica das previsões feitas com a teoria da relatividade, por outro lado há a oportunidade de investigar outros aspectos do buraco negro, como sua possível rotação. "O resultado mostrou que os modelos com rotação são mais adequados, e que o material que observamos orbita o buraco negro em escala de tempo de dias", disse à Folha Thaisa Storchi Bergmann, astrofísica da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) especializada em buracos negros que não participou do estudo.

"Os modelos também sugerem que o eixo de rotação do buraco negro aponta aproximadamente na nossa direção, o que achei bastante peculiar", completou.

Pode parecer mera curiosidade, mas a rotação, se apropriadamente identificada, pode trazer pistas de como o buraco negro se formou, o que é de enorme interesse, já que há muitas dúvidas sobre como esses objetos gigantes nascem, embora saibamos que eles surgiram bem cedo na história de 13,8 bilhões de anos do Universo.

O FUTURO

Mais estudos precisarão ser feitos para confirmar o que os modelos atualmente sugerem sobre a rotação, e as observações do EHT vão continuar. A partir de 2024, espera-se que o projeto possa fazer observações periódicas que permitiriam futuramente produzir "vídeos" retratando a dinâmica do ambiente em torno dos dois buracos negros observáveis pela rede de telescópios.

Não será rápido ou fácil, mas não se pode deixar de apreciar o trabalho fantástico realizado até aqui. "O resultado mostra o poder do EHT e como foi necessário um time de 300 pessoas de 80 instituições, trabalhando por quatro anos, para poder fornecer esta imagem, com grande poder de computação", diz Bergmann. "Como 'caçadora de buracos negros supermassivos' em galáxias, é uma satisfação e emoção enormes em viver este momento!"

De fato, só haverá um dia em toda a história da humanidade em que o publico viu pela primeira vez a face escura do buraco negro no centro da nossa galáxia. Foi nesta quinta-feira (12).

A análise completa dos resultados foi publicada em uma edição especial do periódico The Astrophysical Journal Letters.

Entenda o Sagitário A*

O objeto
É um buraco negro supermassivo no centro da Via Láctea. Sagitário A* é o segundo buraco negro observado diretamente, depois do que reside no centro da galáxia M87 (que tem massa 1.500 vezes maior, mas está 2.000 vezes mais distante)

Diâmetro
Tem 60 milhões de km (em comparação, o da Terra é de 12.742 km)

Distância
A distância entre a Terra e o buraco negro no centro da galáxia é de 26 mil anos-luz (247 quatrilhões de km). Isso corresponder a cerca de 41 milhões de vezes a distância média entre Sol e Plutão

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