Quem nunca se sentiu impotente diante do volume de notícias falsas? Se as pautas políticas eram as mais visadas, a pandemia foi a tempestade perfeita para amplificar a desinformação em temas de ciência, sendo também capitalizada por alguns políticos.
Não são poucas as razões. O ambiente noticioso mudou e o jornalismo pena para se manter viável. Consumidores não pagam por informações que acreditam obter de graça na internet, e anunciantes preferem investir no sistema Google Ads. A mídia, e em alguma medida a ciência, são olhadas com descrédito, atitude incentivada por políticos populistas. Relativiza-se o peso dos especialistas e do conhecimento que passa pelos ritos tradicionais. A popularidade importa mais que a legitimidade de quem fala e daquilo que fala, ainda mais se o conteúdo se alinha a crenças e valores de quem ouve.
Não acho, porém, que estejamos diante de um dilema sem solução. Primeiro, é preciso estudar as raízes do fenômeno, o que o sustenta, e como eliminar seus incentivos, muitas vezes financeiros. E isso nos impele a investigar e tornar público quem comanda essas redes de desinformação.
As plataformas de mídias sociais também precisam se engajar. Elas têm feito muito pouco a respeito, e só quando forçadas. Inserir um simples link para o site da OMS em todas as postagens que incluem a palavra "vacina" e dizer que assim já estão combatendo a desinformação chega a ser desrespeitoso com nossa inteligência.
Mais que divulgação científica e imunização à desinformação, a alfabetização científica e midiática é frequentemente citada entre as principais estratégias para enfrentar o cenário. Mostrar como funcionam a ciência e a produção de notícias, além de treinar jovens e adultos para refletir sobre o que pretendem compartilhar, pode eliminar parte do apoio involuntário à desinformação.
E quanto aos alvos dos ataques? O jornalismo precisa mostrar por que as informações que traz são mais dignas de confiança do que os conteúdos, muitas vezes anônimos, de outras fontes. Com transparência, pronta correção de erros e distância do sensacionalismo caça-cliques.
Já a ciência tem que arrumar a casa e se aproximar das pessoas de quem ela quer conquistar a confiança. Ninguém mais aceita o "porque sim" ou, em versão mais rebuscada, "porque essas são as evidências".
O sistema de publicações científicas é outro ponto, pois ele pode ser o motor da desinformação, com periódicos que veiculam estudos inconsistentes e resultados inflados. Além do caso extremo das revistas predatórias, que publicam qualquer coisa desde que se pague.
Enfim, o monstro da desinformação pode assustar por seu tamanho e cabeças multiplicantes. Mas ele também tem seus calcanhares de Aquiles, que precisamos explorar.
Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições. Quem escreve é Luiza Caires, jornalista, mestre em Comunicação, editora no Jornal da USP e divulgadora de ciências.
A coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.
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