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Salvador Nogueira

Taxa para publicação de estudos estrangula astronomia brasileira

Decisão da Sociedade Real Astronômica do Reino Unido ameaça barrar pesquisa nacional

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Na última quarta (1º), a Sociedade Real Astronômica do Reino Unido anunciou que, a partir do ano que vem, todos os seus periódicos científicos serão de acesso livre. Ótima notícia, certo? Todo mundo vai poder ler todos os artigos na íntegra, sem custo ou assinatura. Bem, pense novamente. Para muitos astrônomos brasileiros, é quase uma sentença de morte.

Entender isso exige compreender como funciona uma parte importante (e cada dia mais anacrônica) do establishment científico: os periódicos. A ideia geral pelo último século foi que periódicos tradicionais com revisão por pares garantem a qualidade dos trabalhos publicados, conferindo confiabilidade às pesquisas. É o paradigma vigente, que podia vir em duas modalidades: ou quem paga conta é quem acessa o conteúdo, ou quem o publica.

Nas últimas décadas, com a revolução digital (e a redução de custos de publicação), tem crescido a cultura do "acesso livre", que, quando feita direito, promove maior alcance à pesquisa publicada sem onerar o pesquisador. Não é o que a Sociedade Real Astronômica fez aqui, ao simplesmente transferir os custos de uma ponta a outra. Pesquisadores que até 31 de dezembro de 2023 podem submeter e publicar seus artigos aprovados gratuitamente no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, principal publicação do grupo, a partir do primeiro dia de 2024 terão de pagar 2.310 libras esterlinas (R$ 14,4 mil) para ver seu trabalho publicado.

Anúncio da Sociedade Real Astronômica do Reino Unido sobre taxação de publicação de artigos
Anúncio da Sociedade Real Astronômica do Reino Unido sobre taxação de publicação de artigos - RAS

"É catastrófico", disse Rubens Machado, astrônomo da Universidade Técnica Federal do Paraná (UTFPR), em sua conta no Twitter. "A maioria dos astrônomos brasileiros não têm recursos para pagar essa taxas absurdas. Com o sumiço do MNRAS, é o fim para nós."

Entra-se aí em um novo caminho tortuoso para entender por que esse é "o fim". O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), na avaliação que faz dos pesquisadores para a concessão de bolsas, considera publicações em periódicos de alto impacto, a partir de um ranking particular. Para astronomia, os bem posicionados são Astronomy & Astrophysics, Astrophysical Journal, Astronomical Journal e o MNRAS, "o último dos grandes periódicos em astronomia a não cobrar taxas", segundo Machado. "Por essa razão, era o único em que ainda conseguíamos publicar. Sem ele, estamos essencialmente barrados de publicar."

Alguns pesquisadores, como Helio Jaques Rocha-Pinto, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), sugerem que o caminho pode ser trocar de publicação. "Devemos passar a prestigiar o Open Journal of Astrophysics que é, de fato, gratuito para autores e leitores", escreveu.

O problema: esse aí nem conta pontos no ranking do CNPq. Publicar lá neste momento pode ser um ato de autossabotagem.

O nó precisa ser desatado. Instituições nacionais, notadamente o CNPq, devem passar a reconhecer periódicos como o Open Journal of Astrophysics e/ou pressionar a Sociedade Real Astronômica a conceder isenção (ou preços razoáveis) a pesquisadores brasileiros, para manter aquele caminho também aberto à pesquisa nacional.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, na Folha Corrida.

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