Mais uma vez, Boeing e Nasa decidiram suspender o lançamento da cápsula Starliner CST-100 com dois astronautas. O voo estava previsto para ocorrer no início da tarde deste sábado (1º). Uma interrupção automática na contagem regressiva faltando três minutos e 50 segundos para a decolagem impediu o voo. A Nasa não esclareceu imediatamente qual foi o problema que impediu o voo.
Com a cápsula, a Boeing espera se tornar a segunda empresa do mundo a levar astronautas à órbita em um veículo próprio, depois da concorrente SpaceX.
A Starliner CST-100, cápsula desenvolvida pela companhia para atender a encomenda de transporte espacial da Nasa, deveria partir às 13h25 (de Brasília), a partir da plataforma 41 da Estação da Força Espacial em Cabo Canaveral, Flórida, impulsionada pelo consagrado (e em vias de se aposentar) foguete Atlas 5.
A espaçonave levaria a bordo Barry Eugene Wilmore, como comandante, e Sunita Williams, como piloto, ambos astronautas veteranos com dois voos espaciais. Williams, por sinal, com o lançamento se torna a primeira mulher a voar em uma missão inaugural de um novo veículo orbital.
A Starliner deve acoplar com a Estação Espacial Internacional (ISS) no dia seguinte ao lançamento e retornar à Terra depois de aproximadamente oito dias.
O lançamento originalmente estava marcado para o dia 6 de maio, mas um problema com uma válvula no estágio superior do Atlas 5 obrigou a um adiamento, cerca de uma hora antes da decolagem, com os astronautas já a bordo. Logo depois da identificação desse problema, a Boeing constatou que o sistema de propulsão da cápsula tinha um pequeno vazamento de hélio. A investigação, nos dias subsequentes, levou a empresa a constatar que havia uma "vulnerabilidade de design" no sistema, mas que podia ser contornada com planos de contingência.
Com isso, agência espacial e empresa decidiram voar mesmo assim, sem corrigir o vazamento ou fazer maiores alterações ao veículo. A expectativa de ambas é que, com esses problemas superados, tudo corra bem e a Starliner seja certificada para realizar voos de rotina levando astronautas à ISS, gerando a desejada redundância para preservar acesso ao espaço mesmo que um dos fornecedores tenha problemas pontuais. Mas, a julgar pelo passado recente, isso está longe de garantido.
DESENVOLVIMENTO ATRIBULADO
Foi em 2014 que a agência espacial americana oficializou seus primeiros contratos para o então novo programa comercial tripulado, em que ela apenas contrata o serviço de transporte, deixando as operações sob encargo de empresas privadas. Duas companhias foram selecionadas nessa primeira leva: SpaceX (por US$ 2,6 bilhões) e Boeing (por US$ 4,2 bilhões). Ambas tinham a mesma encomenda original: desenvolver um veículo de transporte de tripulações, realizar um voo não tripulado de teste e então um com astronautas a bordo, antes de ser certificada para transporte regular (com novas missões a serem contratadas pela Nasa).
Originalmente, esperava-se o primeiro lançamento de ambas para 2017, mas, com cortes no programa, elas atrasaram. A Crew Dragon, da SpaceX, foi a primeira a ganhar o espaço, em março de 2019, num voo sem tripulação que acoplou com sucesso à ISS e retornou, demonstrando a viabilidade do sistema. A empresa ainda teve um problema sério quando, num teste da cápsula pós-retorno, o acionamento dos retrofoguetes levou à destruição do veículo. Mas foi possível identificar a origem da falha e corrigi-la rapidamente para as cápsulas seguintes.
No fim daquele mesmo ano, chegou a vez da Starliner –mas o lançamento acabou em fiasco. Um problema com o relógio interno da nave fez com que ela disparasse seus propulsores de forma anômala e entrasse na órbita errada, impedindo um encontro com a estação espacial. Por pouco, a cápsula não reentrou prematuramente na atmosfera, o que poderia ter ocasionado a perda do veículo –algo nada entusiasmante para o que se espera de uma nave feita para transportar pessoas. O retorno se deu apenas dois dias após o lançamento, de forma controlada, em 22 de dezembro.
A Boeing então decidiu realizar um segundo voo não tripulado de teste, sem custo adicional para a Nasa. A cápsula foi preparada e o lançamento marcado para março de 2021, mas diversos problemas afetaram sua realização, dentre eles válvulas defeituosas no sistema de propulsão –descobertas somente quando a cápsula já estava pronta para voar, na plataforma–, o que acabou adiando o voo para maio de 2022.
Nesse meio-tempo, a SpaceX fez seu primeiro voo tripulado com a Crew Dragon, em maio de 2020, e começou a realizar voos regulares à ISS com quatro tripulantes em novembro daquele ano. Isso tornou a empresa de Elon Musk a primeira na história a lançar astronautas à órbita e devolveu aos EUA essa capacidade, perdida desde 2011 com a aposentadoria dos ônibus espaciais da Nasa.
Até o momento, a SpaceX já lançou oito missões regulares à ISS (a mais recente em março deste ano), além de alguns voos comerciais a clientes como a empresa Axiom e o bilionário Jared Isaacman, que realizou a primeira missão 100% privada à órbita em 2021. Já a Boeing, a despeito de originalmente ser vista como a aposta mais segura do programa comercial da Nasa, acabou sendo apenas a mais cara –e ainda precisa se provar. É o que está em jogo na missão desta segunda-feira.
A turbulência no desenvolvimento da Starliner vem na esteira de uma série de falhas no segmento de aviação da Boeing, mais notadamente em problemas com o modelo 737 Max, que levou a vários acidentes fatais e jogou luz em diversas falhas de controle da qualidade da empresa. No passado, ela foi tida como uma joia da indústria americana. Hoje, há dúvidas de qual será o seu papel no futuro dos segmentos aéreo e espacial. O voo da Starliner pode ser um divisor de águas para tentar recuperar o prestígio perdido. Em caso de sucesso, os EUA pela primeira vez terão dois fornecedores privados independentes para voo espacial tripulado, conforme a Boeing planeja começar seus voos regulares tripulados à ISS em 2025.
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