Morte Sem Tabu

Morte Sem Tabu - Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Descrição de chapéu Mente

Autolesão: ferir a pele para (não) aliviar a dor da alma

A autolesão é multifatorial e não uma tentativa de chamar atenção

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O Instituto Vita Alere lançou uma cartilha sobre autolesão. Esse assunto tem preocupado muitos pais e professores, ao verem os números crescentes de jovens que estão se machucando.

O último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde conclui: "Em relação às notificações de violências autoprovocadas, em 2019 foram registradas 124.709 lesões autoprovocadas no País, um aumento de 39,8% em relação a 2018. Mulheres foram a grande maioria das vítimas de lesões auto- provocadas, representando 71,3% do total de registros. A ocorrência das lesões autoprovocadas se concentrou na faixa etária de 20 a 39 anos, com 46,3% dos casos. A faixa etária de 15 a 19 anos aparece na segunda posição, com 23,3% dos casos".

Segundo a psicóloga Karen Scavacini, uma das autoras da cartilha, esse aumento é uma consequência da deterioração da saúde mental dos jovens e da dificuldade em lidar com os sentimentos.

"Não tem uma escola hoje, no país, que não tenha casos de autolesão entre seus alunos. Isso é muito sério. Isso começou a ficar mais conhecido ao ser retratada em séries, filmes e na internet, mas pouco se fala sobre como podemos ajudar alguém em risco. E a escola acaba não sabendo como reagir, o que fazer", comenta Karen.

Ela considera um avanço termos hoje uma Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suícido (2019), mas comenta ser prejudicial abordar a autolesão junto com o suicídio. Para a especialista, são comportamentos distintos e devem ser tratados de forma separada. O suicídio tem a morte como finalidade. A autolesão busca o alívio imediato da dor.

O que está por trás desse comportamento é um grande sofrimento e a busca pelo alívio desse sofrimento. Karen menciona diversos fatores que levam a ele. Há uma descarga de adrenalina quando a pessoa corta, trazendo uma sensação de alívio. Mas ela é pontual, passageira, como o uso de uma droga. Em nada alivia os sentimentos ruins que a pessoa está sentindo.

É comum termos mais de um adolescente se machucando na mesma sala de aula, influenciados pelo feito contágio, normalmente atribuído ao suicídio mas que também pode atuar na autolesão. É o chamado Efeito Werther. Como já escrevi aqui, o nome é inspirado no livro do autor alemão Goethe (1749-1832), "Os Sofrimentos do Jovem Werther", escrito em 1774. O protagonista, Werther, morre depois de uma frustração amorosa. O drama incitou uma onda de suicídios com jovens usando a mesma roupa que o protagonista usava e o mesmo método que ele descreve no livro. Hoje, esse livro não teria esse efeito. Naquela época, ele foi inovador ao provocar uma reflexão sobre os sentimentos, o que não ocorria na literatura, e impulsionou o Romantismo na Europa. Mas o nome do livro pegou. O efeito Werther também pode atuar na autolesão.

"Quando uma pessoa na sala de aula faz autolesão, é muito provável que outros alunos experimentem também, mas temos que tomar cuidado porque não é para os pais irem em cima e buscarem culpados, e sim para a escola ter uma ação conjunta com os pais", diz Karen.

Vou resumir aqui o que me chamou mais atenção nesse material, que é muito bem-vindo. Ele está disponível, na íntegra, no site do Vita Alere e teve apoio do Google.

  • Autolesão (anteriormente conhecida como automutilação) é qualquer dano causado à pele de maneira intencional, não necessariamente associada à morte. São exemplos de comportamento autolesivo: cortes, arranhões, queimaduras, mordidas, socos ou jogar o corpo contra objetos (Giusti, 2013; Klonsky et. al , 2014).

  • Olhar a autolesão como uma forma de chamar atenção dificulta a busca por ajuda. Quem passa por isso pode acabar tendo medo ou vergonha de falar sobre isso.

  • A adolescência é um período marcado pela impulsividade e pela instabilidade emocional devido a fatores biológicos e de desenvolvimento, que ocorrem num contexto sócio-cultural em constante transformação e em configurações familiares e educacionais das mais diversas. Diante de todos os fatores, alguns adolescentes em sofrimento psíquico desenvolvem comportamentos autolesivos para lidar com suas emoções.

  • Como todo comportamento é uma forma de expressão (Watzlawick, Beavin & Jackson, 2007), a autolesão é entendida como uma estratégia para externalizar o sofrimento individual, adotada pelos adolescentes em situação de vulnerabilidade emocional e com recursos internos insuficientes para manejar suas emoções (Whitlock & Lloyd-Richardon, 2019). Os comportamentos autolesivos podem acontecer uma única vez, relacionados a questões específicas em que o adolescente não encontrou ou ainda não desenvolveu os recursos emocionais necessários para enfrentá- la. Portanto, como profissionais de saúde mental devemos assumir uma postura reflexiva sobre esses comportamentos, entendê-los sob uma perspectiva de não julgamento para que assim ajudemos na desconstrução dos mitos e crenças estigmatizantes associados a ele (Klonsky, Oltmanns & Turkheimer, 2003).

  • Não é incomum que adolescentes experimentem esses comportamentos por curiosidade. Infelizmente alguns deles encontram no ato de se machucar voluntariamente um alívio e seguem fazendo isso diante de acontecimentos, sentimentos e sensações que parecem ser muito difíceis e complicadas. É fundamental que sejam acolhidos e devidamente acompanhados por um profissional de saúde mental.

  • Boa parte das pessoas que se machucam dizem que fazem isso para "sentir alguma coisa, mesmo se for para sentir dor" ou "aliviar a sensação de ‘entorpecimento’ ou vazio".

SINAIS

  • Uso de roupas compridas no calor ou tentativas de esconder partes do corpo

  • Isolamento

  • Mudanças bruscas de comportamento

  • Variações de humor

  • Tristeza e melancolia constantes

  • Alterações no desempenho escolar

  • Busca por conteúdos sobre autolesão na internet

  • Seguir páginas que estimulam a autolesão

  • Compartilhamento de fotos e textos expondo a autolesão na internet

  • Feridas, hematomas e cicatrizes

  • Encontrar objetos perfuro-cortantes, papel higiênico com sangue e curativos

O QUE FAZER PARA AJUDAR

  • Acolher de forma empática

  • Demonstrar que se importa e que quer ajudar, mesmo não concordando ou não entendendo

  • Mostrar respeito, preocupação e disposição para ouvir

  • Identificar se o adolescente está passando por situações de violência como bullying ou cyberbullying

  • Buscar um profissional de saúde de sua confiança, ou um profissional de saúde mental que pode ser um psicólogo ou um psiquiatra

O QUE NÃO SE DEVE FAZER

  • Reagir exageradamente

  • Demonstrar pânico, espanto, repulsa/nojo

  • Julgar ou minimizar sofrimento;

  • Ameaçar ou gritar para interromper comportamento

  • Mostrar interesse excessivo

  • Falar sobre o comportamento em público ou pedir/forçar mostrar feridas – expor

  • Prometer segredo sobre o comportamento autolesivo

  • Fotografar os machucados

  • Dar atenção excessiva às lesões e perguntar o tempo todo sobre o comportamento

ESTRATÉGIAS PROVISÓRIAS

Estímulos sensoriais, que também podem trazer sensações de alívio, porém sem a gravidade do comportamento autolesivo.

  • Escrever na pele com caneta, esfregar levemente uma borracha nos locais onde costuma se machucar, segurar um cubo de gelo ou esfregar levemente nas áreas que costumava ferir;

  • Morder gengibre, pimenta ou outra substância picante;

  • Chupar limão, pasta de dentes ou bala mentolada forte;

  • Cheirar cânfora ou pomadas com mentol;

  • Andar descalço sobre cascalho

Atividades que deem prazer

Estimula a liberação de substâncias químicas que regulam o humor, além de facilitarem a distração e a interação com outras pessoas e o ambiente.

  • Ouvir música

  • Passear com seu animal de estimação

  • Praticar atividades físicas e esportes.

BUSCAR AJUDA

  • UBS e CAPS

  • Família, escola e comunidade

  • Ambulatório no Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência (SEPIA) do IPQ hospital das clínicas (FMUSP)

  • Pro Amiti – Programa ambulatorial dos transtornos do impulso

  • Caism - Unifesp Vila Mariana e Diadema

  • Mapa Saude Mental

NA LEI – NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA

Em abril de 2019, a Lei 13.819 foi criada, propondo a notificação compulsória de casos de autolesão e comportamento suicida.

Art. 6o Os casos suspeitos ou confirmados de violência autoprovocada são de notificação compulsória pelos:

I – estabelecimentos de saúde públicos e privados às autoridades sanitárias;

II – estabelecimentos de ensino públicos e privados ao conselho tutelar.

§ 1o Para os efeitos desta Lei, entende-se por violência autoprovocada:

I – o suicídio consumado; II – a tentativa de suicídio; III – o ato de automutilação, com ou sem ideação suicida.

§ 2o Nos casos que envolverem criança ou adolescente, o conselho tutelar deverá receber a notificação de que trata o inciso I do caput deste artigo, nos termos de regulamento

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