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Os bastidores do jornalismo nas periferias de SP

Vendidos na rua, churros do 'Baixinho da Cupecê' atravessam gerações

Família de Geraldo Soares quer franquia do doce, que diz ele, já viajou para os EUA e 'chegou morninho'

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Jacqueline Maria da Silva
São Paulo | Agência Mural

Quem vende churros é "churreiro", afirma Geraldo Firmino Soares, 72, mas ele prefere mesmo ser chamado pelos apelidos carinhosos dos fregueses: "tiozinho do churros" ou "baixinho da Cupecê", uma referência à avenida que corta a zona sul de São Paulo, onde ele estaciona a van com os doces.

O idoso, que virou uma figura conhecida no bairro de Cidade Ademar, atua como ambulante há 44 anos, dos quais 35 somente com churros. Ele vende a guloseima para pessoas de diferentes gerações, dali ou de outros municípios.

"Tem pessoas que vêm com o neto e falam: 'olha, eu era do seu tamanho, e comprava churros dele ali'. Para mim, é uma alegria porque só o que é bom dura bastante", diz.

Geraldo é um homem idoso, com cabelos lisos, escuros e penteados para o lado; ele sorri e segura uma panelinha de metal repleta de churros; ao fundo, está o furgão onde ele vende churros
Retrato de Geraldo Firmino Soares, 72, mais conhecido como 'Baixinho da Cupecê', onde vende churros há cerca de 35 anos - Eduardo Knapp/Folhapress

Ele não usa redes sociais. O trabalho é divulgado no boca a boca e em canais comunitários pelos moradores. Geraldo conta que o sucesso é tanto que há clientes até mesmo em outro país.

"Fiquei surpreso, achei que estavam gozando da minha cara", comenta, aos risos, ao contar a história de como seu churro aterrissou nos Estados Unidos.

Segundo Geraldo, em 2014, um rapaz o procurou com uma caixinha de isopor pedindo 20 churros para levar para a mãe, que morou em Cidade Ademar e passou a viver nos EUA.

Dois anos depois desse episódio, o jovem voltou para contar o final da história: o churro foi no avião, "chegou morninho" e "a qualidade estava a mesma", diz.

Fórmula secreta

A produção dos churros começa logo cedo, processo que leva pelo menos duas horas. "Não posso estragar o paladar do pessoal", alerta. Para evitar desperdício, o "churreiro" produz entre 150 e 200 unidades por dia.

E a receita é um mistério. "Todo mundo quer imitar, mas não consegue", brinca Geraldo. Por enquanto, só a família sabe dos ingredientes. "Fui a primeira [a saber sobre a receita]", comenta Maria José Santos Soares, 62, a esposa dele, que o acompanha na van quase todos os dias, há 35 anos.

O ambulante, inclusive, pretende registrar a receita em cartório e deixar como uma herança para os sete filhos.

Um deles, que mora em Santo André, na Grande São Paulo, já produz churros quase autorais por encomenda, mas a família tem planos mais ambiciosos para o legado.

"Nós temos a ideia de franquear para dar uma vida melhor para os nossos pais e também realizar sonhos de quem está nessa caminhada, pois venderemos algo que já deu certo", afirma Rogério Firmino Soares, 40.

Eles estudam o melhor modelo de negócio e oportunidades de parcerias. "Queremos que se estenda de geração para geração. Acho que é a forma de mantermos as memórias do que ele [Geraldo] passou, e como chegou onde chegou", diz Rogério.

Quando Geraldo nasceu, na década de 1950, Cidade Ademar nem era distrito. O bairro natal dele é a Vila Joaniza (junção dos nomes João e Niza), dois proprietários de terra na época.

"A população era pouca, não tinha muito comércio, eram loteamentos, chácaras, rua de terra e sem asfalto, só mato praticamente", conta o vendedor.

Ele lembra bem da transição, pois aos 24 anos estreou como sorveteiro em um espaço alugado na porta de uma loja da avenida Cupecê, que também pertence ao distrito.

Na década de 1960, durante a infância de Geraldo, três fatores contribuíram para o aumento populacional da região: a explosão industrial, o êxodo rural e a decadência dos fazendeiros, que foram obrigados a lotear as terras.

Mas nem o desenvolvimento do bairro alavancou o sorvete americano, pois o constante clima frio e chuvoso de São Paulo, com o título de terra da garoa, interferia nas vendas.

Para pagar o aluguel do ponto, Geraldo chegou a vender objetos de casa e passou dificuldades. "Comi o pão que o diabo amassou", desabafa.

Um certo dia, viu o tal churro e colocou na cabeça que aquele produto seria bem aceito nos dias de temperaturas baixas.

Comprou a máquina e, com ela, recebeu uma receita padrão que não o deixou satisfeito. "O sabor não era bom, a massa era dura. Pode ter churro cheio de granulado, o importante é a massa pela qual a pessoa vai sentir o sabor."

Imagem destaca diversos churros fritos dentro de uma panelinha de metal
Geraldo Firmino Soares, o 'Baixinho da Cupecê' frita e vende churros em van estacionada na avenida Cupecê, em Cidade Ademar, há cerca de 35 anos - Eduardo Knapp/Folhapress

Elaborou uma espécie de concurso com as próprias receitas e pagou quatro comerciantes para votarem na melhor. "Das quatro, a terceira foi aprovada, e é a que eu continuo até hoje", conta.

A nova fórmula foi bem aceita pelos clientes e, aos poucos, Geraldo trocou o sorvete, com o qual trabalhava havia quase 14 anos, para ficar apenas com os churros. Foi assim que conseguiu dar uma vida estável para os filhos.

Há quatro anos, ele optou por adaptar uma van, transformando-a em um carro de churros. "Agora eu não pago aluguel, e a qualidade dos churros continua a mesma", comemora.

O veículo fica parado todos os dias exatamente na frente do antigo comércio. "Ele é muito querido na região, se ele saísse daqui, as pessoas iriam atrás", diz Andrea dos Santos, 44, uma das filhas do vendedor.

Com todo esse tempo de trabalho, Geraldo não se rende à tecnologia. Só aceita pagamento em dinheiro.

Ele que começou vendendo o doce a Cr$ 1 (um cruzeiro), o equivalente a R$ 2,75, e passou por cinco transições de moedas ao longo de três décadas de atuação.

Com o desemprego, as pessoas estão mais endividadas, argumenta ele. A pandemia também despencou o comércio, e o doce que hoje custa R$ 4 poderá ficar mais salgado.

"Com as coisas aumentando, já vai passar para R$ 5. Acabou o tempo das vacas gordas."

Apesar do cenário, ele e a família se sentem satisfeitos pelo que conquistaram. "Meu pai é muito inteligente, acreditou, apostou e deu certo, com muito sacrifício", comenta Andrea.

"Criamos e demos estudo para os filhos, compramos nossa casa, hoje temos uma vida tranquila", acrescenta Maria José.

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