Normalitas

Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis

Normalitas - Susana Bragatto
Susana Bragatto

A história da tapa, ícone da gastronomia espanhola

Em junho, país celebra o #DíaMundialDeLaTapa; fenômeno está a caminho de se tornar patrimônio cultural imaterial da humanidade

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Anos atrás, quando cheguei na Espanha, achei graça em muitas peculiaridades culturais -- entre elas, o fenômeno onipresente da tapa española.

La tapa ou tapeo, conceito fundamental da culinária nacional: pequena porção de... coisas.

Que podem ir das indefectíveis e simples (y riquísimas) olivas rellenas de anchoas (azeitonas recheadas de anchovas) ou patatas (batatas) bravas a elaborados pinchos ("pintxos", em euskera, no caso do País Basco), basicamente mini-rodelas de pão sobre a qual se acomodam 18909570878 combinações de ingredientes, entre clássicas e Michelin-style.

Hoje, terceira quinta-feira de junho (15, em 2023), é celebrado o Dia Mundial de La Tapa.

Já tô achando graça de novo: é uma data "mundial", mas espanholíssima. Mais exatamente, foi inventada em 2010 pela Associação Saborea España, agremiação do setor hoteleiro e gastronômico que tem o apoio do governo etc.

É uma data com motivação, portanto, comercial. Mas não deixa de ser uma boa desculpa pra provar e celebrar essa entidade máxima da culinária espanhola, habitante emérita do Olimpo ibérico junto com paellas, gazpachos e jamones.

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Em comparação com as nossas dimensões continentais brazilêras, a Espanha cabe em 2 Estados de São Paulo -- mas é grande o suficiente pra que coexistam mil interpretações regionais da tapa.

Chamada também de "cozinha em miniatura", as tapas têm em comum, no entanto, o fato de que 1. são pequenas Porções de Algo, 2. são geralmente servidas como acompanhamento de alguma bebida e 3. estão associadíssimas a festa, vida de bar, confraternização.

pessoas em um bar sentadas em torno a mesas em forma de barril tomando cerveja
Típico bar espanhol, lar das famosas "tapas" - Pixabay / Reprodução

Aliás, em muitas regiões da Espanha é tradição pedir uma bebida e que esta venha acompanhada de uma tapita grátis. Aqui na Catalunha não é tão comum, mas vai em Madri, Castilla y León, Andaluzia ou País Basco procê ver.

Cidades espanholas como Granada, Bilbao, Almería ou León são super conhecidas pelo tapeo grátis; às vezes, dá pra ir de bar em bar (bom.. num tô fazendo propaganda de álcool, antes que venham os #haters descendo oOO tapa) pedindo um bão drink e provando tapitas diferentes.

A Associação Saborea supracitada estima que 60% dos estabelecimentos espanhóis oferecem tapas grátis com a bebida.

O fenômeno do tapeo espanhol é tão importante que, atualmente, existe um processo em tramitação para que as "tapas" sejam declaradas Manifestação Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial, como o Carnaval ou a Semana Santa.


LAS TAPAS MAIS CLÁSSICAS

Algumas das mais comuns, que ce pode encontrar em 4180787 variações e em todos os cantos, são sem dúvida a tortilla de patatas, o queso (possivelmente manchego, mas há mil outros, segundo a região), a ensaladilla rusa (muito parecida com a nossa salada russa, servida com picatostes) e as anteriormente mencionadas bravas e aceitunas.

Ah: e não deixemos de fora o pulpo a la gallega o a la andaluza, chipirones, pescadito frito, sardinas, choricitos a la sidra, morcillas, calamares a la romana, croquetas, huevos rotos, gildas, anchoas, conservas mil, jamón, papas arrugas (típica das Canárias), pimientos de padrón, salmorejo, gazpacho, brandada de bacalao, pinchos morunos, montaditos, gambas al ajillo, pan tumaca ("pa amb tomàquet", em catalão -- uma rodela de baguete "rociada" com tomate de penjar/colgar e, às vezes, alho e azeite, que acompanha TUDO)................ VIXE! A lista segue pra além das pradarias de La Mancha quixotesca.

ORIGEM

A versão mais famosa reza que, no século 13, o rei Alfonso X, O Sábio, quis dar um basta nas tremendas borracheras (bebedeiras) dos súditos e determinou que os mesones castellanos (restaurantes populares) sempre servissem as doses de bebidas alcoólicas com alguma pequena porção de comida, pra dar uma acolchoada básica no estômago.

E por que o nome tapa?

Eu ri a primeira vez que ouvi. Achei que era o equivalente ao nosso tapinha-que-não-dói. Tava errada, claro.

Dizem -- dizem -- que a comida servida com a bebida não só tinha a função de amenizar o descontrole etílico da população como também, ao ser disposta sobre os copos, evitava que mosquitos pousassem no líquido -- algo que, imagino, devia ser especialmente importante numa época em que expressões como vigilância sanitária, saneamento básico e controle de pragas eram inexistentes.

Daí o nome tapa, que significa tampa, gente.

Outra variação da história situa a origem da tapa em Cádiz, na Andaluzia. Durante uma visita real, supostamente bateu um vento forte e alguém teve a brilhante ideia de tampar as taças de bebida com fatias de jamón pra num entrar poeira.

"Tapa" também foi um termo comumente empregado nos séculos 16 e 17, por influência do francês "étape", para designar as provisões de mantimentos das tropas durante deslocamentos prolongados.

Por outro lado, se ce for perguntar pra um basco, é possível que ele reclame a autoria: segundo alguns, o hábito de servir as generosas porçõezinhas teria nascido por ali.

Finalmente, tem a hipótese mais óbvia e moderna, que situa a consolidação do costume no século 19, quando camponeses levavam um troço pra comer antes de voltar pro almoço, a fim de, presumivelmente, não ter um treco bajo el sol com o vinho peleón na cabeça e com a barriga vazia.

Essas historiñas d'antanho ce pode contar no bar, quando estiver na Espanha de tapeo com os amigos. ;)

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