Normalitas

Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis

Normalitas - Susana Bragatto
Susana Bragatto
Descrição de chapéu Páscoa

Não é ovo, é mona: o doce espanhol de Páscoa

Nesse bolo tradicional flamboyant vai de tudo, de ovos cozidos a penas de ganso

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Barcelona (Espanha)

A primeira vez que eu vi o Doce Clássico de Páscoa na Espanha, achei bem loco.

Imagina comigo.

Em lugar de colomba pascal ou ovo de chocolate, comecemos simples: pense numa rosca de massa doce.

Essa rosca ou brioche, com ou sem buraco no meio, é polvilhada de açúcar e/ou coisas coloridas decorativas. Até aí, não precisamos de muito esforço cognitivo.

Feche os olhos, aprecie seu aroma: delicadamente cítrico, por conta da essência de azahar -- vulgo água de flor-de-laranjeira, item básico da culinária espanhola, graças à influência árabe na península (azahar significa flor branca em árabe, em referência justamente à flor da laranjeira).

(aliás, esse perfume sinaliza por aqui a chegada da primavera. Em cidades como Sevilha ou Barcelona, brota de laranjeiras em flor que decoram as ruas)

Agora pega o teu chatgpt mental e mete uns ovos cozidos incrustados na massa, com casca e tudo. Opcionalmente, pode tingi-los de cores vivas.

Por vivas, entenda azul ladrilho-de-banheiro ou rosa quartinho-de-menina-quando-tudo-de-menina-era-rosinha código HEX #F898C8.

Finalmente, intercale os ovos cozidos com enormes pedaços de frutas cristalizadas em cores neon, com predominância de verde (figos ou mamão), laranja (isso mesmo) e vermelho (cerejas).

Ah, ia esquecendo!! O toque final decorativo pode incluir penas coloridas; uma galinha com seus filhos-pintinhos, feitos de chocolate, marzipan ou feltro; ovos, ovinhos e ovões de chocolate; e adereços como chantili, amêndoas laminadas, ovinhos de chocolate e coberturas de todos os tipos.

A massa da mona é parecida com a do também clássico roscón de Reyes, que se come no dia de reis, 6 de janeiro. Os registro mais antigo da receita-mãe data do século 15, na Catalunha.

O formato mais corrente é o de brioche ou bolo redondo, mas o doce pode ganhar diferentes nomes e interpretações conforme a região.

Em Valência, por exemplo, a rosca pode se desenrolar e assumir diferentes formatos de animais. Um dos mais comuns é uma serpente com um ovo cozido na boca, mas já me deparei também coelhinhos, tartarugas e peixes.

A mona é tradicionalmente comida em família ou com amigos na segunda-feira de Páscoa, que é feriado em várias regiões do país.

Sobre o ovo cozido embutido na massa, dizem que os supracitados valencianos gostam de quebrá-lo na cabeça de comensais desavisados.

Antigamente, eram os padrinhos que traziam as monas de presente para seus afilhados. Cada criança, dizem, ganhava uma com o mesmo número de ovos de sua idade. Vaya huevos!!

Embora a versão clássica seja doce, também tem mona salgada, com azeitonas, escalivada de pimentão, berinjela e cebolas, longaniza e outros embutidos ibéricos.

***

A primeira vez que provei uma mona foi numa chácara nas montanhas perto de Tarragona, na Catalunha. Estava acampando com amigos num feriado de Páscoa. Fazia um frio cataclísmico e eu tava de considerável mau humor, enfrentando o clima com meias úmidas e ozossinhu tudo estalando de contrariedade.

Uma amiga chegou carregando uma caixa que parecia de pizza com a maior delicadeza nobilística do mundo. Todos se acercam, eu junto, seguindo a manada. Abrem. Lá estava aninhadinha uma rosca brilhante com a maior concentração de frutas cristalizadas neon que eu já tinha visto na minha vida. E dois ovos cozidos.

Pensei que nunca tinha visto doce tão feio e tão espantosamente caro ao mesmo tempo. Mas havia uma delicada reverência no ar e fiquei quieta. Esse num era o sorvete napolitano que visita traz, nem um comum doce de padaria: era A Mona.

Repartida assim entre todos ao redor da fogueira, numa tarde especialmente gelada de primavera, seu sabor pra mim foi de ritual, união, celebração. Não uma rosca: a Mona...

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