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Descrição de chapéu clima mudança climática

Emergência climática significa olhar para os mais vulneráveis, diz Andrew Revkin

Em visita à Folha, jornalista americano comentou mudanças na relação com o leitor e na cobertura do clima

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São Paulo

Abordar emergência climática significa falar sobre quem mais sofre com a intensificação de fenômenos naturais. Essa foi uma das ideias transmitidas pelo jornalista americano Andrew Revkin durante visita à Folha, na última quinta-feira (22).

Considerado um dos mais importantes jornalistas ambientais dos Estados Unidos, Revkin acumula 40 anos de trabalho sobre o clima, incluindo passagens pelo New York Times, pela ProPublica e pela National Geographic.

Em conversa com profissionais da Folha, ele destacou a importância de definir corretamente o termo "emergência climática" para a formulação de políticas públicas bem endereçadas e a responsabilidade do jornalismo em produzir reportagens claras e eficazes quanto aos impactos das mudanças climáticas.

Um homem está em uma ponte suspensa, segurando uma câmera e uma jaqueta. Ele usa um chapéu de abas largas e óculos. Ao fundo, há uma densa vegetação verde e um céu parcialmente nublado.
Andrew Revkin em San Jose, na Costa Rica, por ocasião de um encontro de jornalistas sobre como aprimorar a cobertura científica e de saúde pública, em 2018 - José Diaz/Divulgação/Andrew Revkin

"Há bilhões de dólares nos Estados Unidos que estão indo para áreas ricas como os Hamptons [balneário de luxo localizado em Nova York] ou para adicionar areia às praias. No que isso ajuda as pessoas que vivem em planícies de inundação porque são pobres?", disse ele, que é também diretor-fundador da Iniciativa em Comunicação e Sustentabilidade no Earth Institute da Universidade Columbia.

Revkin compartilhou algumas de suas experiências ao redor do mundo, como as COPs (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) e as visitas a Nairóbi, no Quênia, e a Singapura, ambas em 2016. "É basicamente o mesmo clima, mas a vulnerabilidade e a exposição são completamente diferentes nesses dois lugares."

Sobre as conferências do clima, cuja próxima edição acontecerá em Belém (PA) no ano que vem, o jornalista destacou a cobertura que fez na COP11, realizada em 2005, em Montreal, no Canadá.

Em vez de focar nas negociações, que costumam estar no centro das pautas sobre essas reuniões, Revkin decidiu acompanhar um grupo de jovens que bloqueava corredores da conferência e se organizava paralelamente para discutir soluções para o clima, insatisfeitos com "as pessoas de terno perambulando pelos corredores, negociando os detalhes de dois tratados climáticos."

Um dos conceitos que fizeram Revkin repensar a forma como cobria o clima foi uma citação de Diana Liverman, professora de geografia aposentada da Universidade do Arizona, que encara o conceito de risco climático como a probabilidade de dano, e não a probabilidade de haver mais ondas de calor.

O jornalista também apresentou a metáfora de alvos e flechas, em que as flechas são o fogo, as inundações e as tempestades, e o alvo são as populações vulneráveis.

A imagem mostra um homem em um ambiente coberto de neve, usando um casaco escuro com capuz de pelagem. Ele está sorrindo e posando para a foto, enquanto ao fundo há um helicóptero laranja e azul parcialmente coberto de neve. O céu está claro e azul, e há montes de neve ao redor.
O jornalista americano Andrew Revkin durante viagem ao Polo Norte em 2003 para produzir reportagens sobre o derretimento de calotas polares - Peter West/National Science Foundation

"É possível mapear essas áreas em expansão para fazer as comunidades entenderem que não se trata apenas de mudança climática e refutarem políticos que digam que [lidar com os impactos] é inevitável", afirmou. "Estão construindo casas que queimam em áreas propensas a incêndios. E a mudança climática e muitos outros aspectos estão alterando os incêndios."

Durante a conversa, Revkin destacou ainda as mudanças que tem observado na relação com o público ao longo da carreira. Se antes a interação ocorria por meio de cartas e a transmissão de informações era unidirecional, hoje os leitores participam muito mais ativamente do consumo de notícias, que vêm de variadas fontes —inclusive de portais negacionistas.

"São múltiplas vozes e perspectivas, e um público que fica sem muita capacidade de distinguir notícias de opinião, desinformação de informação. Estamos meio perdidos [enquanto veículos de imprensa]."

A cobertura do clima também mudou, segundo ele. "Em 1988, quando comecei a escrever sobre o aquecimento global, era uma questão de poluição. Com o passar dos anos, percebi que não é um problema técnico", disse.

Para o americano, as mudanças climáticas são um desafio multidimensional. Trata-se de um problema de energia, porque envolve as indústrias agrícola e de combustíveis fósseis, de Justiça, porque os impactos recaem sobre pessoas que não têm poder, e de comportamento, porque a sociedade não responde bem a mudanças estruturais.

A relação da sociedade com o clima é um dos pontos de atenção tanto para a imprensa quanto para os cientistas. Revkin lembrou o trabalho de outro colega —Dan Kahan, professor de direito da Universidade Yale—, que descobriu que pessoas com o mesmo nível básico de conhecimento científico encontram-se nos dois extremos quanto a acreditar no aquecimento global: alguns se preocupam fortemente com as consequências e outros rejeitam a veracidade da mudança.

A imagem mostra uma cena de navegação em alto mar, com um homem em pé na proa de um barco, segurando uma corda. O mar está agitado, com ondas brancas e espumantes. O céu é azul com algumas nuvens. Ao fundo, é possível ver contornos de montanhas ou ilhas. O homem está vestido com uma camisa de manga longa e calças amarelas, sorrindo para a câmera.
Registro do jornalista Andrew Revkin em 1980, durante expedição em veleiro pelo Mar Vermelho - Divulgação/Andrew Revkin

"A alfabetização científica básica é um desafio para os jornalistas de ciência, porque temos a presunção de que uma ótima reportagem explicativa mudará as pessoas. E é muito diferente disso."

O desafio passa ainda pelo pouco destaque que os veículos costumam dar a pautas ambientais, o que eventualmente acontece quando elas estão atreladas a algum aspecto político, segundo Revkin.

Uma das "leis da física da Redação" elencadas pelo jornalista durante a conversa foi o pensamento de primeira página, ou seja, o apelo de novidade para que determinada matéria apareça na capa do jornal.

"Geralmente, na ciência, não há o pensamento da primeira página a menos que você corte as complexidades para a história chamar a atenção. E esse processo é ruim."

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