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Mariana Agunzi

Oscar: 'Onde eu Moro' é sensível, mas não comparável à situação de rua no Brasil

Não tente entender o que acontece nas calçadas ao redor de nossas casas só com base no documentário

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São Paulo

Indicado ao Oscar de melhor curta documental, "Onde eu Moro" é um filme comovente e que mostra com um olhar bastante humano a crise de habitação nos Estados Unidos.

Acompanhando pessoas em situação de rua –as gravações foram feitas entre 2017 e 2020–, o filme pincela problemas-chave na questão da falta de moradia americana: aumento do aluguel, falta de emprego, violência doméstica, desarranjos familiares, preconceito.

Tem, portanto, grande mérito (e pode surpreender ainda mais se os diretores, dentre eles um brasileiro, cumprirem a promessa e levarem alguns dos entrevistados para o tapete vermelho da premiação).

Cena do documentário 'Onde Eu Moro', sobre moradores de rua dos EUA - Netflix/Divulgação

É impossível, entretanto, comparar o documentário com a situação dos moradores de rua no Brasil. Especialmente na cidade de São Paulo, onde essa população cresceu 31% durante a pandemia.

Enquanto o filme apresenta personagens aparentemente não adictos, muitos brancos e que estão na rua por não conseguirem pagar o aluguel –mas que sairiam dessa condição se assim pudessem–, São Paulo esbarra em uma situação um pouco diferente.

De acordo com o último censo da prefeitura, divulgado em janeiro deste ano, 70,8% das pessoas sem moradia por aqui são pardas ou pretas. Mais de 75% delas têm as calçadas e albergues como "casa" há mais de dois anos, podendo passar de dez.

Muitas (e arrisco dizer a maioria, em meus quase quatro anos de trabalho semanal com pessoas vulneráveis), são usuárias de drogas ou álcool. Estão nas ruas por causa disso, ou se tornaram adictas porque foram parar nas ruas.

São esquecidas por serem vítimas de uma sociedade que exclui negros, trans, travestis. Que sobrecarrega mulheres, chefes de família. Que não dá e nunca deu oportunidades iguais para todos.

Sairiam das ruas se conseguissem pagar aluguel? Talvez. Mas como bancar uma casa quando, no Brasil, morar na rua é reflexo de um problema estrutural e de saúde pública?

"Onde eu Moro" joga luz, com sensibilidade, a quem está nas ruas por causa da crise econômica americana. O filme desperta a compaixão de quem o assiste e, quem sabe, com o Oscar, poderá atrair ainda mais olhares para essa condição. É vitorioso por isso.

Mas não tente entender o que acontece com quem mora nas ruas ao redor de nossas casas só assistindo ao documentário. Não estamos falando da mesma condição.

Resolver o problema de quem não tem moradia, por aqui, resvala em promover saúde, acompanhamento psicológico, trabalho, casa e autonomia. E os aparelhos sociais não promovem autonomia ao tratar todos, seres humanos independentes, como uma coisa só.

As ruas do país são habitadas por pessoas que carecem de um olhar humanizado, mas que encontram indiferença. Não é filme, não tem indicação ao Oscar; é só realidade.

*

"Onde eu Moro". Disponível na Netflix.

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