Ao pesquisar por anúncios de imóveis nos sites das maiores imobiliárias do país, diversos atributos de cada região são destacados. Proximidade de transporte de massa, mercados, hospitais, parques públicos, cinemas, shoppings. Mas poucos anúncios indicam a existência de escolas na região e, dentre aqueles que o fazem, nenhum parece se preocupar com a qualidade da escola do bairro.
A ideia de que mobilidade social está atrelada exclusivamente à renda vem perdendo espaço nos últimos anos. Novos elementos que ajudam a estruturar a vida das pessoas passaram a ser percebidos de forma complementar. Acesso a cursos de verão, bibliotecas particulares, viagens culturais, redes de contatos ajudam a entender como a vida de alguns pode ser transformada positivamente.
Tais ativos transformativos constituem uma encadeação de vantagens e desvantagens passadas de geração para geração que permitem a manutenção de classes sociais ou o avanço para outras classes. A qualidade da escola pública ofertada em determinado bairro pode ser um ativo transformativo na medida em que ajuda a balancear a oferta de oportunidades, como descreve o professor Thomas M. Shapiro que vem popularizando o conceito.
Em pesquisa realizada sob o título "Discriminação intergeracional e o ensino da população negra na cidade de São Paulo", busquei cruzar os dados sobre a qualidade das escolas estaduais da cidade de São Paulo com a concentração da população negra, a distribuição de renda e a expectativa de vida em cada subprefeitura da cidade.
Os resultados indicaram que os diversos fatores inerentes a baixa remuneração média intensificaram o déficit de acesso a boas escolas públicas; a maior concentração das piores escolas nos bairros de maioria negra; concentração, inversamente, das melhores escolas nos bairros de maioria branca; e que a expectativa de vida é mais um elemento que reforça o caráter de exclusão do bom ensino para aqueles que vivem em bairros com maior mortalidade.
O pesquisador Adriano Senkevics constatou, em sua tese de doutorado, que as desigualdades no acesso ao ensino superior, majoritariamente, possuem relação direta com a qualidade das escolas que o grupo sob análise teve acesso. A tese, que recebeu o Prêmio CAPES 2022, acompanhou mais de um milhão de jovens por cinco anos.
Em um espaço que se configura como um meio técnico-científico-informacional conforme a consagrada descrição do geógrafo Milton Santos, políticas educacionais que buscam reduzir desigualdades precisam olhar para o território – e para os indivíduos que o habitam.
Após a corrida rumo a universalização do ensino básico das últimas décadas, a qualidade do ensino ofertado se tornou o principal objetivo da educação pública nacional. O federalismo fortemente heterogêneo do país intensifica os desafios na coordenação em escala nacional da educação. As diferentes redes de ensino ainda possuem um processo decisório de forma não centralizada ou muito pouco compartilhada.
Para superar o cenário da desigualdade na educação e articular nacionalmente a política educacional, tramita na Câmara dos Deputados projeto de lei que pretende instituir o Sistema Nacional de Educação (SNE). Amplamente respaldado pela comunidade científica, o SNE poderá, caso seja bem implementado, contribuir para transformar as escolas de cada bairro em vetores de oportunidades.
O editor Michael França pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Gabriel Prado foi "Continuação de um sonho" do rapper BK'.
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