Raça e gênero moldaram profundamente a minha visão de mundo. Eu cresci e amadureci no coração da luta antirracista da comunidade negra de Porto Alegre. Mas, ter frequentado a faculdade de economia em uma universidade federal majoritariamente branca representou a maior tentativa institucional frustrada de embranquecimento do meu ativismo.
Ler economistas como George Stigler e Celso Furtado expressando seus vieses sobre a população negra como inferior e mais apta ao trabalho braçal sofisticou minhas análises. Pois, a minha vantagem analítica foi estar inserida em uma família regida pela educação e que me ensinou a criticar o status quo e descolonizar meu pensamento. Tive que deixar o Brasil em 2006 para aprender como utilizar a teoria econômica para dissolver eficazmente a cegueira racial em espaços de decisão.
Compreendi, também, a transversalidade dos temas de diversidade, equidade e inclusão. Entendi que uma justificativa econômica convincente, combinada com uma cultura de resultados em equidade, melhora a performance e acelera decisões.
Minha carreira em desenvolvimento internacional e o PhD em Economia da Discriminação reforçaram minhas credenciais para acessar espaços de poder e influência, fazendo-me orbitar uma forma mais sutil de ativismo baseado na evidência da rentabilidade social das ações afirmativas. Essa sutileza foi intencional após incansáveis tentativas de convencimento pela retórica da ética e moralidade.
Intimidada por ser a única em espaços de influência e sufocada pelo medo de ser considerada sentimentalista, me apoiei nos dados para justificar investimentos em igualdade racial. Hoje me considero uma economista muito mais madura, confiante e influente, pois meu foco deixou de ser o convencimento das pessoas brancas: atualmente eu busco potencializar as vozes de pessoas negras.
Desde então, percorri vários países e negociei planos nacionais de igualdade com governantes, mobilizei milhões de dólares em prol do desenvolvimento internacional em equidade, e trabalhei ao lado de comunidades negras e indígenas na concepção de soluções em toda América Latina. Vivo entre mundos e culturas, mas com o mesmo propósito há mais de 20 anos: potencializar vozes de pessoas negras, descolonizar espaços de poder e aumentar o fluxo de capital onde é mais necessário.
Apesar dos tantos "nãos" que ouvi ao longo do caminho, sigo cada vez mais determinada a atacar os problemas mais complexos e importantes para a população negra globalmente.
Acredito veementemente que é possível alcançar o patamar de uma sociedade na qual a discriminação e o preconceito sejam incapazes de influenciar as decisões e trajetórias pessoais e profissionais. Entretanto, temos muito trabalho a fazer, pois a vasta maioria das empresas precisa de um senso de urgência maior. Precisam de políticas de equidade eficazes e que as direcionem aos maiores gaps econômicos. A justiça intergeracional econômica que requer a mobilidade ascendente de uma geração inteira deve ser um objetivo não apenas público, mas privado. E precisamos dar protagonismo à mulher negra, que mesmo sendo a única, onde quer que esteja, luta por um mundo melhor sem se intimidar.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Luana Ozemela foi "O Que Se Cala", de Elza Soares.
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