A política fiscal pode ser utilizada pelo governo para impulsionar a economia em momentos de recessão ou para atender a situações emergenciais, como a da pandemia de Covid-19. Ela tem dois instrumentos principais: os gastos públicos e os tributos. Durante a pandemia, a política fiscal foi extremamente importante no atendimento das demandas da área de saúde e na garantia, mesmo que parcial, da renda da economia, com o auxílio emergencial, por exemplo. Esse suporte expressivo acabou afetando as contas públicas, que apresentaram uma elevação de déficit primário (diferença entre receitas e gastos) e um aumento da dívida pública bruta.
Em 2020, o déficit primário representou 9,2% do PIB e, consequentemente, a dívida pública bruta, que é a forma utilizada para financiar o déficit, atingiu aproximadamente 96% do PIB. Apesar das projeções do FMI indicarem que o déficit primário de 2023 será de aproximadamente 2% do PIB e a dívida de 88% do PIB, ou seja, representa uma melhora em comparação com 2020, o desafio do governo segue sendo melhorar o resultado das contas públicas. E qual é o melhor caminho para isso?
Muitas pessoas colocam a culpa desse resultado "vermelho" nos gastos sociais, principalmente em programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, criado em 2003 no primeiro governo Lula. Partem, portanto, da hipótese de que um dos caminhos para recuperar o controle dos gastos públicos seria frear o investimento nos gastos sociais. Mas é de extrema relevância compreender esses gastos de maneira tridimensional, reconhecendo os desdobramentos e efeitos positivos que eles podem proporcionar. Não são poucos os estudos e bibliografias que demonstram, por exemplo, que o Bolsa Família ajuda uma parcela da população a superar os desafios da pobreza e alcançar melhores condições de vida.
Fazendo um contrafactual da situação da minha família, por exemplo, se tivéssemos tido algum benefício semelhante, certamente, as coisas teriam sido menos difíceis. Imagine para um casal de boias frias no Brasil dos anos 1980, marcado por recessões econômicas e hiperinflação, criar e manter na escola quatro filhas. Certamente, qualquer ajuda do governo teria feito uma diferença positiva. A compra de material escolar e uniforme a cada início do ano letivo era sempre um desafio e, para os nossos pais, surgia sempre o questionamento se valia a pena nos manter na escola. Por fim, eles sempre concluíram que sim, o que tornou possível que tivéssemos uma vida melhor por conta do acesso à educação. Como dizia o meu pai "eu venci", ele e minha mãe venceram, conseguiram criar e estudar as filhas.
Eu venci, mas nem todos conseguem. O estudo de Felícia Picanço de 2015 indica que no ano em que concluí a graduação, em 1998, a taxa de pessoas negras com ensino superior incompleto ou completo era de apenas 3,2%. Segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), no ano de 2022 essa taxa registrou 18,2% (contra 35,2% da branca).
Então, eu não tenho dúvidas e ninguém mais deveria ter, que o Bolsa Família, ou qualquer outro programa social, teria feito diferença para nós, assim como faz para as milhares de pessoas que a recebem atualmente. É imprescindível que nós, enquanto cidadãos políticos, nos coloquemos como aliados às políticas que visam a redução das desigualdades sociais e o compromisso com uma sociedade mais equalitária.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Neste texto, a escolhida por Carlândia Brito Santos Fernandes foi "O Rancho da Goiabada", de João Bosco.
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