Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

A naturalização da injustiça nas oportunidades educacionais no Brasil

A garantia de que todos os estudantes tenham as mesmas oportunidades de aprender deveria ser o foco de todos nós, como país

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Lara Simielli

É professora no departamento de gestão pública da FGV Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas)

As desigualdades nas oportunidades educacionais são enormes no Brasil. Sabemos que o local onde nascemos e a condição econômica da família são muito importantes para definir qual tipo de escola e quais professores iremos acessar ao longo da nossa vida.

Na prática, porém, não sabemos qual é o tamanho exato desta lacuna, ou seja, quão distantes os diferentes grupos de alunos estão entre si, seja entre meninos e meninas, seja entre os mais ricos e os mais pobres, seja entre quem mora na zona rural e na zona urbana.

Para colaborar com este debate, analisei qual é a diferença na probabilidade de estudantes com diferentes características (gênero, raça e renda) e contextos (urbano e rural) acessarem professores com maior nível de escolaridade, ao longo de 15 anos.

Ela é uma mulher branca de cabelos escuros ondulados e olhos claros. Na imagem, ela veste uma blusa preta
Lara Simielli é professora no departamento de gestão pública da FGV Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas) - Divulgação

Os resultados impressionam pela magnitude. Em 2001, um estudante preto, de baixa renda, do 5º ano do ensino fundamental, por exemplo, tinha 25% de chance de ter um professor com ensino superior, enquanto um estudante branco, de alta renda, tinha 83% de chance de acessar um professor com as mesmas características.

Com o passar dos anos, a disparidade foi diminuindo. Percebemos que as políticas públicas voltadas à formação docente surtiram efeito quando observamos que, em 2011, um estudante preto, de baixa renda, passou a ter 70% de chance de acessar um professor com ensino superior.

Apesar do crescimento expressivo, é notório observar que este estudante, mesmo dez anos depois, não alcança a probabilidade que um estudante branco e de alta renda já tinha em 2001. A situação se torna mais equitativa apenas em 2017. Levou, portanto, aproximadamente 15 anos para que estudantes com diferentes perfis tivessem a mesma probabilidade de acessar um professor com ensino superior.

Olhando para a questão da localização, a diferença entre o urbano e o rural também impressiona. Estudantes que se matriculam em escolas da zona urbana têm, ao longo dos 15 anos, uma probabilidade 100% maior de acessar um professor com ensino superior do que estudantes da zona rural.

Esta desigualdade, porém, não mudou ao longo do tempo, o que ilustra a falta de políticas públicas focalizadas, voltadas às necessidades específicas das escolas da zona rural, que pudessem reverter este cenário.

Pesquisas como essa apontam para a importância de se investir na formação e no desenvolvimento docente e para um planejamento com foco na equidade educacional. Mostram, por um lado, que muitas vezes a mudança é muito lenta. Mostram também que, sem uma política pública focalizada, muitas desigualdades vão persistir.

Neste sentido, é fundamental que algumas intervenções sejam feitas no sentido de encurtar este caminho, implementando políticas com foco na equidade. No caso dos professores, programas que ofereçam incentivos monetários para docentes que trabalham em escolas muito vulneráveis e/ou localizadas na zona rural, por exemplo, é central e deve ser acompanhado por condições de trabalho adequadas, apoio administrativo, oportunidades de desenvolvimento profissional diferenciadas, dentre outros. Um projeto de lei recentemente aprovado (Lei nº 14.817/2024) vai neste sentido e estabelece diretrizes ligadas à valorização dos profissionais da educação.

A garantia de que todos os estudantes tenham as mesmas oportunidades de aprender deveria ser o foco de todos nós, como país. Para isso, precisamos desnaturalizar estas diferenças entre os estudantes e investir num planejamento educacional que tenha a equidade como dimensão central, traduzido na adoção de políticas públicas efetivas e focalizadas de enfrentamento às desigualdades.

Esses foram alguns dados de uma discussão muito mais ampla, fruto de mais de dez anos de pesquisa. Para quem tiver interesse em se aprofundar, sugiro a leitura de dois artigos sobre este estudo: em português (disponível aqui), com dados de 2001 a 2011, e em inglês (disponível aqui) com dados mais atualizados.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha de S. Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Lara Simielli foi "Las transeúntes", de Jorge Drexler.

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