Praça do Leitor

O blog das produções artísticas dos leitores da Folha

Praça do Leitor - Interação
Interação

A majestade de Pelé

Leitor relembra cena da infância, quando assistiu a uma partida com o Rei do futebol

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Luiz Divino Maia

O ano, eu não sei ao certo. Sei que foi antes de 1974, quando Pelé deixou o Santos Futebol Clube para jogar no New York Cosmos, dos EUA. Como nasci em 1968, não tinha ainda seis anos de idade.

Por flashes, vejo um garotinho sentado no chão da sala da casa da avó –sala abarrotada de pessoas em volta da TV. O garotinho era eu e as pessoas eram meus pais, tios, primos e vizinhos que, absortos, assistiam uma partida de futebol do time do litoral paulista contra um time qualquer. Que time era esse? Não sei. O adversário do Santos, aliás, pouco importava.

Bem, não sei se todos, mas ao menos os homens, sem tirar os olhos da tela, se entregavam por completo às imagens embaçadas da TV em preto e branco (ou seriam as minhas lembranças que estão embaçadas?). Era noite, e acho que era sábado (estranho futebol aos sábados à noite, mas, em minhas lembranças, o dia e a noite eram estes mesmos.).

Fotografia antiga, preto e branca, mostra partida de futebol; em campo, no centro, Pelé aparece no ar entre dois jogadores adversários, olhando para a bola acima; ao fundo, uma arquibancada lotada
Pelé disputa bola em partida do Santos com o Palmeiras, no estádio do Pacaembu, em São Paulo (SP) - 16.out.1971/Folhapress

O que magnetizava os olhares masculinos daquela longínqua noite ia além do futebol em si. Todos se concentravam em Pelé. Ver o astro do Santos em campo parecia ser uma experiência única, monumental.

Não sei se era porque havia poucos jogos de futebol televisionados, com raras oportunidades de ver o Rei em ação, mas quando o homem (chamado pelos antigos narradores e até pelos telespectadores – vejam só como os tempos eram outros – de "negão" ou de "crioulo") pegava na bola, meu Deus, tudo se transformava. A sala se silenciava por completo e todos ficavam encantados com o que viam. A plateia da sala de estar da casa de minha avó parecia incomensuravelmente feliz em fazer parte de tão grandioso evento.

Engraçado, talvez por ser criança e por saber pouco da vida, por entender menos ainda de futebol, lembro que eu não fiquei tão impressionado com Pelé. Não vi nada de extraordinário quando ele pegava na bola; não o percebi detentor de tanta destreza e habilidade com a bola nos pés que o fizesse assim tão especial, que o diferenciasse tanto dos demais jogadores em campo –coadjuvantes que quase não existiam para os distantes e extasiados telespectadores daquela noite. Mas não disse nada, não ousei contestar a majestade de Pelé.

Mas minha impressão futebolística pouco importa. O que vale é que essa longínqua cena me acompanha desde então. Com a morte do maior jogador de futebol de todos os tempos, aliás, a cena não sai de minha memória. Decerto, nunca vi nada igual, tanta admiração e deslumbre juntos por parte de súditos tão embevecidos. Parecia que estava diante de um mundo mágico. Pela primeira vez na vida, percebi o poder das imagens televisivas sobre os homens, como percebi pela primeira vez o poder da televisão em seu papel de construtora de heróis.

Mas, mais que tudo, eu percebi a força monumental de Pelé – e isso não foi pouco.

Graduado em história, mestre em antropologia social e doutor em arquitetura e urbanismo, Luiz Divino Maia é professor de história em escola pública, ensino médio. É assinante e leitor da Folha desde os anos 1990.

O blog Praça do Leitor é espaço colaborativo em que leitores do jornal podem publicar suas próprias produções. Para submeter materiais, envie uma mensagem para leitor@grupofolha.com.br

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.