Um calo apareceu no meu dedo indicador, assim como quem não quer nada: natural, altinho, indicando excesso de uso.
Se fosse no dedo mínimo, eu não ligaria, no anelar desconfiaria de mim, no médio talvez riria.
Mas no indicador, esse deixou-me encucada.
Seria por excesso de uso? Uso canetas, às vezes machuquei-me no cortador de papel ou qualquer coisa do gênero. Ou então estou apontando para muita gente.
Não sei, me veio um peso antes desconhecido, uma estranheza natural dessas coisas idearias meio mórbidas sobre pensar no julgamento.
Julgar o próximo é complicado como escrever com um calo no dedo de apoio: você sente cada curva da letra, caindo no papel ou cuspida na cara, a necessidade de promover uma ordem de parada mental.
O fluxo de pensar crítico é tanto que o indicador treme ao segurar o isqueiro, apoiar o cigarro e escrever, sem mimeógrafo para girar e refletir.
Dessa pequena desavença com o cotidiano, sinto uma perturbação dolorida de que devo julgar menos, hidratar mais minha mão para tirar o calo e a mente para tirar o asco.
Mel Lyz é estudante de jornalismo.
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