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Descrição de chapéu internet

Genital Drive

Em crônica, leitor cria relacionamento atravessado por tecnologias

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Marcos Barbosa

Eles se conheceram na internet, numa dessas salas de bate-papo. Ambos casados, entre 35 e 40 anos, mas com o casamento findo e vivendo apenas de aparências.

Logo que entraram na sala, começaram um diálogo bastante interessante: idade, profissão, gostos, hobbies, desejos, manias, etc. Perceberam, então, que a conversa fluía muito bem e que ambos tinham gostos tão semelhantes que poderiam se dar bem eventualmente.

Montagem de duas fotografias coloridas; à esquerda, um homem de barba e óculos sério diante de um laptop e à direita uma jovem sorri diante do laptop
Julio Ricco e Jenko Ataman/Adobe Stock

Continuaram a conversa e, depois de uma hora, estavam trocando confidências mil e tiveram a certeza de que eram almas gêmeas virtuais. Ficaram na sala por um bom tempo, horas, e combinaram de se encontrar novamente. Trocaram email, telefone e foto, o que aumentou a vontade e a certeza de ambos.

Os encontros virtuais eram diários e duravam horas e horas na sala e o sentimento aumentava e cada encontro. O problema era a distância que os separava, quase mil quilômetros.

Então, ele propôs um encontro real, aliás, um jantar sensual, e lhe perguntou se ela tinha o genital drive. Ela sequer tinha ouvido falar naquela coisa, mas estava tão virtualmente apaixonada que pediu detalhes.

Ele então explicou que o genital drive era um software apto a gerar prazer sexual virtual. Ela imediatamente aceitou e tratou de encomendar o tal produto, que demorou cinco dias para chegar via postal com instalação.

Encontraram-se no dia marcado, ele preparou sua melhor roupa, vinho, taças e ela sua melhor lingerie, seu perfume favorito e um belo e sensual vestido.

No encontro tomaram vinho, comeram e o prazer foi genial para ambos, que, satisfeitos demais, foram dormir.

No dia seguinte, ela manda um email para dizer o quanto foi linda e apaixonante aquela noite. Também telefona e o telefone não existe, segundo informação. No decorrer da semana, chega uma mensagem dizendo que aquele endereço de e-mail ao qual ela tinha enviado não existia.

Passado um mês, nada. Ele some, desaparece totalmente de sua vida. Ela, triste demais e preocupada, percebe que sua menstruação está atrasada quatro dias, mas nem se preocupa com tal situação. Os dias seguem e ela resolve então ir ao médico, já que ela era como relógio e, no mais, relações já não tinha há algum tempo.

O médico pede exames, incluindo de gravidez. Após cinco dias, o exame fica pronto e no consultório o médico lhe parabeniza, pois está grávida.

Ela tem calafrios, mas diz ser impossível tal situação por não manter relações há mais de seis meses. O médico salienta que não há nenhuma vergonha nisso, pelo contrário. Ela se levanta e segue para sua casa consternada e sem explicações.

Pensa então naquela noite e no tal genital drive e dá risada da própria sandice. Liga para o médico e marca um ultrassom. Para seu espanto fica constatado que está grávida de trigêmeos.

Passa nove meses e, marcado o parto normal, nascem um notebook, um mouse e um teclado, todos com saúde e em pleno funcionamento.


Marcos Barbosa, 51, é advogado, psicanalista, ator e dramaturgo.


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