Pretos Olhares

Fotografia e outras linguagens da arte feitas por pessoas pretas

Pretos Olhares - Catarina Ferreira
Catarina Ferreira

Resgate do passado e quebra de estigmas unem fotógrafos do Brasil e da África

Produção de artistas do continente africano ainda tem pouca visibilidade, afirma curadora de mostra de fotolivros no IMS Paulista

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São Paulo

Quem visita a biblioteca do IMS (Instituto Moreira Salles), em São Paulo, encontra uma pequena exposição com 13 fotolivros feitos por artistas visuais do continente africano.

A mostra com entrada gratuita "Áfricas Contemporâneas no Fotolivro: Herança Estética como Ato Político" busca evidenciar o pensamento fotográfico africano, a partir do trabalho de artistas nascidos no continente.

Livro 'The Shadowed People', do artista visual Saïdou Dicko
Imagem do livro 'The Shadowed People', do artista visual Saïdou Dicko - IMS/Divulgação

No Brasil, como em outras partes do mundo, a arte africana tem pouca visibilidade. No entanto, o trabalho desses artistas extrapola o universo da arte e também guarda semelhanças com o trabalho de fotógrafos brasileiros, em especial os negros e indígenas, afirma Ana Paula Vitorio, curadora da mostra e pós-doutoranda na University of the Free State, na África do Sul.

Segundo ela, colocar a África no centro da produção da arte sobre o continente evidencia aspectos culturais a partir do olhar de quem os vive, seja para exaltar características locais ou para denunciar problemas sociais.

Nos livros expostos estão fotos do cotidiano de cidades como Lagos, na Nigéria, vistas em "Last Day in Lagos" (2022), da fotógrafa Marilyn Nance, e retratos feitos no transporte público em Johanesburgo, na África do Sul, em "Stories: Train Church" (2019), de Santu Mofokeng. São fotos de rua, autorretratos e montagens em livros publicados a partir dos anos 2000.

Ana Paula conta que escolheu estudar fotolivros, com foco em processos criativos, porque neles "é possível perceber qual história o autor quer contar". E as histórias sobre continente africano, em especial, foram marcadas pelo olhar do estrangeiro por muito tempo.

Os primeiros álbuns fotográficos sobre a África datam do final do século 19 e início do século 20, período em que muitos lugares foram colonizados por países europeus, explica.

Por isso, as imagens da época mostram a população local como "o outro", um ser "exótico e desprovido de humanidade". "São fotos à serviço da colonização, para alimentar uma audiência branca e europeia que já tinha uma ideia estigmatizada do continente."

"Os reflexos deste período ainda podem ser vistos em imagens produzidas atualmente", com a divulgação de imagens que ignoram a diversidade étnica, ou campanhas que estigmatizam a população.

A pesquisa de Vitório trata da produção de artistas africanos, ou da diáspora, a partir da década de 1950, quando aconteceram movimentos de independência em muitos países —Gana (1957), Nigéria (1960) e Argélia (1962).

Para estes autores, a fotografia não é um meio de conhecer o outro, como acontecia durante o período colonial, mas sim uma forma de "mostrar ao mundo quem se é".

Segundo a curadora, é comum que os artistas revisitem documentos, registros, costumes e histórias, que podem vir tanto do período pré-colonial, quanto de relatos passados de geração em geração, para aprofundar a produção artística. "Eles olham para esses arquivos como quem olha para um tesouro. É como um resgate do passado que serve de espelho para imaginar um futuro".

"Esses autores estão lidando com as pessoas como se estivessem fotografando a si mesmos, a imagem não é um muro que separa fotógrafo e fotografado, é um espelho que ele usa para se olhar e se entender melhor."

Essas são características que Ana Paula também vê na produção de fotógrafos negros no Brasil, em que existe uma busca por revisitar histórias familiares ou comunitárias.

Ver o passado como um espaço amplo de possibilidades criativas está entre as semelhanças do trabalho de artistas negro brasileiros e africanos que Ana Paula diz observar. "É possível ver o quão alinhados e atentos eles estão à arte que que vai fazer esses retornos para impulsionar o melhor e mais fiel retrato do presente."

Ela ressalta, no entanto, que cada local guarda suas diferenças culturais e sociais, que ficam evidentes no resultado devido a múltipla autoria.

Exposição Áfricas Contemporâneas no Fotolivro: Herança Estética Como Ato Político

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Escreva para catarina.ferreira@grupofolha.com.br

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