Pretos Olhares

Fotografia e outras linguagens da arte feitas por pessoas pretas

Pretos Olhares - Catarina Ferreira
Catarina Ferreira

Religiosidade conectou mineiro Gustavo Nazareno ao mundo das artes

Seu trabalho une técnicas da arte sacra com a estética de divindades do candomblé

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São Paulo

"Não cresci visitando museus ou galerias. Meu primeiro contato com a arte foi na igreja", conta o artista mineiro Gustavo Nazareno, 29, da cidade de Três Pontas, sul do estado.

Seu trabalho, diz, une referências renascentistas e da arte sacra com a estética e a história de divindades do candomblé, religião da qual é devoto.

Desenho feito em carvão da série 'Bará', do artista mineiro Gustavo Nazareno
Desenho feito em carvão da série 'Bará', do artista mineiro Gustavo Nazareno - Anna Carolina Bueno/Divulgação

Nas 120 páginas de seu primeiro livro, "Bará", ele retrata corpos em movimento, rostos e bustos, em uma sequência coreografada com 400 desenhos feitos em carvão. A série é dedicada a Exu, orixá presente em religiões de matriz africana.

As obras da série também estão expostas no Museu Afro Brasil Emanoel Araujo, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, até dia 01 de outubro, na mostra individual do artista.

A religiosidade sempre teve papel importante em sua vida, afirma, porque foi frequentando a igreja de sua cidade que ele começou a se interessar pela carreira de artista.

"Aquele espaço com os quadros, as pinturas, as imagens dos santos, funcionava como algo muito parecido [com um museu ou galeria]. Alguém ajoelhar na frente daquela obra e aquilo transportar a pessoa através da sua fé. Vendo isso, eu sabia que queria ser a pessoa que pintou ou desenhou aquela imagem."

Gustavo se mudou para a capital paulista em 2018, após enfrentar um quadro grave de depressão. Seu primeiro trabalho, não remunerado à época, foi em um terreiro de umbanda em que fazia pinturas dos orixás em troca de materiais artísticos e de um espaço para montar um pequeno ateliê.

Ele, que até então tinha tido pouco contato com religiões de matriz africana, afirma ter se sentido acolhido pela comunidade do terreiro. Seus estudos, pautados principalmente na arte sacra e nas referências cristãs, ganharam novas cores a partir das pesquisas que começou a realizar sobre a origem de cada orixá.

Hoje ele cria a partir de fábulas que escreve contando a história das divindades. No entanto, a escolha de desenvolver seu trabalho a partir do candomblé e da umbanda trouxe desafios. O artista diz que, apesar de ver um aumento na visibilidade dada a artistas negros e a temas como a religiosidade afro-brasileira, ainda há muito preconceito no meio artístico.

"A minha primeira experiência no mercado de arte foi marcada por racismo religioso. Então o que me deixou com muito medo."

Poucos dias antes de estrear a primeira exposição de "Bará", em 2019, um dos curadores do espaço pediu para que ele retirasse todas as referências a Exu do trabalho.

Apesar da troca do nome, as obras não perderam a identidade, diz o artista, isso porque Bará também é um dos nomes dados a Exu, mas que era desconhecido pelo curador da instituição, não nomeada por ele.

Por situações como essa, Gustavo diz ter perdido algumas oportunidades de trabalho por se negar a mudar suas obras para se encaixar em espaços majoritariamente brancos.

Para ele, ter o respaldo de museus, como o Afro Brasil, em São Paulo, é fundamental para que se possa ter autonomia na hora de produzir.

"Não basta expor artistas negros, cadê os pesquisadores, curadores e gerentes de galerias negros?" Ainda há um caminho longo pela frente no enfrentamento do racismo no mercado artístico, que não deve restringir a produção de pessoas negras a um nicho, mesmo se essas obras falarem de religiões afro-brasileiras. Afinal, ressalta, obras importantes para a história da arte e movimentos inteiros foram pautados pelo cristianismo.

Além da exposição em cartaz no museu paulista, Gustavo já expôs no Rio de Janeiro, em Londres e em Milão.

Exposição 'Bará'

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Escreva para catarina.ferreira@grupofolha.com.br

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