Que imposto é esse

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Que imposto é esse - Eduardo Cucolo
Eduardo Cucolo
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Fernando Facury Scaff

A Cide da Zona Franca de Manaus e a indústria nacional na Reforma Tributária

Mecanismo aumenta carga das empresas fora da região para proteger produção local

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Fernando Facury Scaff

Professor titular de Direito Financeiro da USP e sócio do Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados

O Senado Federal concluiu a votação da Reforma Tributária, PEC 45, que deve retornar à Câmara dos Deputados para novas sessões em face das mudanças ocasionadas.

Toda a tramitação legislativa dessa PEC foi acelerada, o que tem impedido que a sociedade e os doutrinadores analisem com a devida atenção todas as mudanças constitucionais que estão sendo aprovadas, que já chegam a mais de 40 páginas. Embora existam muitos pontos a comentar, existe um que está passando despercebido, e seguramente gerará grande impacto econômico na indústria nacional. Diz respeito à criação de uma CIDE (Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico), como uma forma de proteção da ZFM (Zona Franca de Manaus).

Há poucas dúvidas sobre a necessidade de proteção da ZFM, que circunda a cidade de Manaus, no estado do Amazonas. O texto aprovado mantém essa proteção em diversas passagens, criando também o art. 92-B dispondo que as leis que instituírem a CBS e o IBS, "estabelecerão os mecanismos necessários, com ou sem contrapartidas, para manter, em caráter geral, o diferencial competitivo assegurado à Zona Franca de Manaus", o que, de certa maneira, está adequado e coerente com a proteção que já existe na Constituição desde sua origem, calcado no art. 40, e posteriormente no art. 92-A do texto atual do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

A surpresa surge com a proposta da criação de uma CIDE no texto do §1º do art. 92-B, da PEC-45, ao estabelecer que "Para assegurar o disposto no caput, serão utilizados, isolada ou cumulativamente, instrumentos fiscais, econômicos ou financeiros e, subsidiariamente, observado o disposto no art. 149 da Constituição Federal, contribuição de intervenção do domínio econômico sobre importação, produção ou comercialização de bens que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus, garantido tratamento favorecido às operações na referida área".

Simplificando e destacando do texto, constata-se que para assegurar o diferencial competitivo daquela região, poderá ser criada uma CIDE sobre a "importação, produção ou comercialização de bens que tenham industrialização incentivada na ZFM", isto é, usando um exemplo, que, se ninguém alterar, se tornará norma constitucional: se houver uma indústria de copos plásticos instalada na ZFM, todas as demais indústrias brasileiras desse mesmo produto poderão vir a ser oneradas com a criação de uma CIDE, para assegurar o diferencial competitivo da região. Ou seja, propõe-se aumentar a carga tributária da indústria nacional para proteger a indústria local —simples assim.

A redação é amplíssima, pois permite que esta tributação seja imposta a todas as empresas que estão fora da ZFM, produzindo, importando ou comercializando, o que gera uma possibilidade amplíssima de alcance.

Será suficiente haver a importação de algum produto que também é utilizado na produção incentivada na ZFM para que toda a indústria nacional venha a ser sobre onerada.

Essa proposta modifica substancialmente o foco de proteção da ZFM, pois, até aqui, visava-se a redução da carga tributária para as indústrias que lá se instalassem, porém, essa proposta altera o jogo, criando um mecanismo de aumento da carga tributária para toda a indústria nacional que produza, importe ou comercialize algo semelhante ao que por lá é produzido de forma incentivada. Logo, ao invés de reduzir a carga tributária local, haverá a possibilidade de aumentar a carga tributária nacional, em prol das indústrias instaladas naquela região.

Seguramente trata-se de uma proposta ousada, que modifica todo o sistema tributário protetivo daquela região específica, encravada ao redor da cidade de Manaus, em detrimento de toda a indústria nacional.

É inegável que a CNI (Confederação Nacional das Indústrias) vem apoiando a Reforma Tributária, o que se vê até mesmo pelos outdoors espalhados em Brasília, inclusive em pontos de ônibus. Será que a CNI também apoia essa CIDE-ZFM? A Câmara dos Deputados aceitará transformar esse texto em norma constitucional?

Tom Jobim tinha razão: o Brasil não é um país para principiantes.

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