Que imposto é esse

Reforma tributária para leigos e especialistas; com apoio de Samambaia.org

Que imposto é esse - Eduardo Cucolo
Eduardo Cucolo
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Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia

Os desafios e conquistas da liderança feminina no Direito

Ainda enfrentamos muitos desafios para o exercício da liderança no Direito

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Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia

Sócia de Candido Martins Advogados

O preâmbulo da nossa Constituição, responsável por apresentar os valores que guiam o texto constitucional (documento político que institui a norma maior do nosso Estado Democrático de Direito), desde 1988, aponta o princípio da igualdade como um valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

O princípio da igualdade também aparece positivado no caput do artigo 5º da Constituição, dispondo que todos serão iguais perante a lei, sem distinção, sendo garantido aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à igualdade, disciplinando, em seu inciso I, que homens e mulheres serão iguais em direito e obrigações.

Pois bem. Chegamos em 2024. Com todos os avanços reconhecidos até aqui, principalmente com relação à luta por garantia de direitos, é importante questionar se estamos mesmo vivendo num país em que o princípio da igualdade entre os gêneros pode ser considerado observado, atendido e aplicado em sua plenitude.

Os dados demonstram que não. Mas é possível afirmar que houve uma evolução.

Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia de Candido Martins Advogados
Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia de Candido Martins Advogados - Tadeu Brunelli/TBFoto-Divulgação

O Censo Demográfico de 2022, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), nos mostra que a população brasileira é composta por 104,5 MM de mulheres e 98,5 MM de homens, representada por uma sociedade que é 51,5% feminina e 48,5% masculina. O interessante é que essa pesquisa revela mais homens nascendo no país, superando a quantidade de mulheres, até a faixa etária dos 19 anos. Porém, devido ao grande número de mortes de jovens homens, há um aumento do número de mulheres a partir dessa idade, e as mulheres passam a representar a maioria da população brasileira. Além disso, os dados apontam que os homens acabam morrendo mais, por diversos fatores como: abuso de bebidas alcoólicas, tabagismo, sobrepeso, estresse e violência urbana.

Os Indicadores Sociais de Mulheres no Brasil, 2ª Edição do IBGE, revelam números de 2019, em que os homens formaram maioria na força de trabalho (73,7% x 54,5% das mulheres), mas, as mulheres concluíram mais o ensino superior (19,4% x 15,1% dos homens). Ainda assim, as mulheres recebem menos rendimentos —77,7% do rendimento dos homens. Com relação à representatividade feminina em cargos eletivos, em 2020, as mulheres representaram 14,8% das parlamentares em exercício, sendo apenas 16% dos vereadores do país, e exercendo apenas 37,4% dos cargos gerenciais, contra 62,6% dos homens.

Alguns fatores podem explicar essa discrepância: as mulheres dedicam mais tempo (o dobro) com cuidados com pessoas ou afazeres domésticos (21,4 horas/semana) em relação aos homens (11 horas/semana). Logo, as mulheres se envolvem mais com o trabalho não remunerado, colaborando assim com a distorção desses números. Não podemos dizer que falta estudo ou dedicação para as mulheres. Mas o seu envolvimento com a questão do cuidado familiar pode representar um fator limitador para que alcancem melhor e maior participação no mercado de trabalho e nos cargos de liderança e tomada de decisão.

No mundo jurídico, a dificuldade de alcançar plenitude na observação, atenção e aplicação do princípio da igualdade entre os gêneros também é grande, com muitos desafios a serem superados.

O Departamento de Pesquisas Judiciárias promoveu, em 2014, o Censo do Poder Judiciário, e publicou, em 2018, o Perfil Sociodemográfico dos Magistrados Brasileiros de 2018. De acordo com os números obtidos, as magistradas correspondiam a 35,9% do universo e as servidoras contemplavam 56,2% do quadro geral de servidores.

A pesquisa demonstrou que, quanto maior o nível da carreira na magistratura, menor a participação das mulheres (44% dos juízes substitutos, 39% dos juízes titulares, 23% dos desembargadores e apenas 16% dos ministros de tribunais superiores). E as causas advêm desde o ingresso nos concursos públicos, como nas promoções e indicações para os cargos nos Tribunais, e na própria atuação na magistratura (medo, preconceito, violência), que desencorajam as mulheres a seguirem em pleitear suas indicações.

A colheita desses dados incentivou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a instituir a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina em 2018. Esse documento definiu a criação de um grupo de trabalho para estudo, análise, capacitação e diálogos com os Tribunais do país, incentivando que todos os ramos e unidades devam adotar medidas tendentes a assegurar a igualdade de gênero no ambiente institucional, propondo diretrizes e mecanismos que orientem os órgãos judiciais para incentivar a participação de mulheres nos cargos de chefia e assessoramento, em bancas de concurso e como expositoras em eventos institucionais (Resolução CNJ nº 255/2018).

Esse primeiro passo representou um chamado para um olhar especial ao mundo jurídico: se vocês se lembrarem, nunca se falou tanto em representatividade feminina no Poder Judiciário como em 2023, por exemplo!

Em agosto de 2023, num evento tributarista, um grupo de lideranças femininas se reuniu em plenária da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) descrevendo o protagonismo ganhado no Direito Tributário, diante dos desafios enfrentados na área, pela conquista de espaço feminino em um mundo sempre considerado masculino. O evento representou uma superação nas edições anteriores com uma maior presença feminina (609 inscritas x 453 inscritos), em que houve um aumento de palestrantes mulheres (88 x 129 homens) —número esse que ainda precisa ser revisto para as próximas edições. Na conversa, as mulheres debateram sobre as dificuldades enfrentadas desde o início da inserção ao mercado de trabalho, relações com colegas, parceiros e superiores, além da formação de redes de contato de apoio, maternidade e relações familiares.

Em setembro de 2023, o CNJ aprovou alteração de regra, com validade a partir de janeiro de 2024, promovendo paridade de gênero no preenchimento de vagas de juízes em segunda instância nos Tribunais Federais, Estaduais, Militares e Trabalhistas, nas promoções por merecimento, excluindo o gênero da regra de promoções dos magistrados por antiguidade (Resolução CNJ nº 106/2010). A partir desse ano, quando do acesso dos magistrados aos Tribunais por merecimento, que não atingir a proporção de 40% a 60% por gênero, as vagas deverão ser preenchidas por editais abertos de inscrições mistas ou exclusivas de mulheres até alcançar a margem determinada pelo CNJ.

O Estudo Demográfico da Advocacia Brasileira (PerfilAdv), primeiro levantamento do gênero já produzido no país pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), nos mostrou que a advocacia é majoritariamente feminina (51,43%), porém seus presidente e vice-presidente são atualmente dois homens e apenas 18% das seccionais são presididas por mulheres.

No final de 2023, o CNJ inovou ao modificar seu Regimento Interno para determinar que sua composição seja formada por 50% de mulheres, valendo para as vagas de juízes auxiliares, cargos de confiança, assessoramento, comissões, grupos de trabalho e terceirizados. A norma ainda prevê uma composição equânime, com perspectiva e diversidade de raça, etnia e sexual, compreendendo cisgênero, transgênero, sempre que possível.

Mas, como todos acompanharam, mesmo depois de movimentos e abaixo assinados, na indicação para o novo ministro do Supremo Tribunal Federal, para ocupar o cargo deixado pela aposentadoria de Rosa Weber, em 2023, mais um homem foi indicado pelo presidente da República, transformando a Corte Suprema do país num instrumento de poder majoritariamente masculino, em que somente a ministra Carmén Lúcia nos representa sozinha e isolada —ao menos até 2028, quando o próximo integrante da Corte (Luiz Fux) poderá se aposentar.

Bem, como se pode perceber, ainda enfrentamos muitos desafios para o exercício da liderança feminina no Direito. Esses não são desafios exclusivos da mulher do mundo jurídico. Pouco a pouco, as conquistas de espaço, principalmente para falar, escrever e se posicionar estão em desenvolvimento. Temos o CNJ, a OAB, os Grupos de Liderança Femininas engajados para um olhar diferenciado, que buscam a aplicação plena do princípio da igualdade entre os gêneros.

A sobrecarga física e mental exigida da mulher representa o maior desafio a ser superado em todas as áreas. Cuidados com a família e o trabalho ainda dependem muito da mulher, especialmente num país em que a grande maioria dos lares são exclusivamente de responsabilidade feminina. O esforço para a mudança desse cenário leva tempo. Depende da cultura, valores e políticas que precisam ser repensados por todos, especialmente pelos homens, de quem dependemos muito na desconstrução dos costumes, práticas e olhares que se consolidaram em outro direcionamento por séculos.

Lembro de alguns homens se insurgirem, no ano passado, contra as novas as regras de mudança nas promoções dos magistrados objetivando proteger a paridade. Como assim? Ainda existem muitos homens que se negam em olhar para o lado e ver que a mulher não é uma inimiga, mas uma aliada. Porém também há muitos homens que se comprometeram com esse desafio e estão ao nosso lado nessa luta. A proposta é estarmos aliados e seguirmos juntos em busca dessa equiparação para promovermos iniciativas em prol de um mundo mais justo e igualitário. Afinal, todos nascemos de uma mulher e todos podem ter filhas, netas, bisnetas, que anseiam por um mundo mais igualitário.

Em 2024, é importante não deixarmos de reconhecer as nossas conquistas: a união entre os gêneros nessa luta, a abertura para os debates e os últimos pleitos femininos acolhidos. Ações que representam força para que possamos trazer efetividade ao princípio da igualdade, ainda que em fase inicial no mundo do Direito, com objetivo de abrir portas, inspirar e dar forças para todas as demais áreas poderem abordar e vivenciar com plenitude esse princípio primordial do nosso Estado Democrático de Direito.

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