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Prefeitura extingue o Departamento do Patrimônio Histórico

Mudança pode enfraquecer a proteção de imóveis ainda não tombados em São Paulo

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Douglas Nascimento
São Paulo (SP)

Em 1975 o banqueiro Olavo Setúbal, ao assumir o cargo de prefeito biônico de São Paulo, trouxe consigo uma série de mudanças na disposição de secretarias e demais órgãos municipais. Uma das mais importantes foi a mudança do Departamento de Cultura, criado décadas antes por Mário de Andrade, em Secretaria Municipal de Cultura. Junto, uma novidade: a criação do Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo (DPH).

O então prefeito Olavo Setúbal (no centro da imagem e com as mãos para trás entre dois homens vestindo ternos brancos), caminha pelo calçadão do centro de São Paulo em 1976. - Acervo UH/Folhapress

O gesto de Setúbal criando o DPH foi fundamental para a preservação do patrimônio histórico paulistano para o futuro, uma vez que até aquele momento não existia efetivamente tombamentos em esfera municipal. O novo órgão vinha na esteira de seu equivalente estadual, o Condephaat criado em 1967 e que já vinha mostrando preocupação e cuidado com bens históricos paulistas relevantes.

Desse momento em diante a cidade de São Paulo passou a ter, de fato, seus bens históricos protegidos e tombados, com a montagem de um corpo técnico municipal, dentro do DPH com funcionários altamente qualificados que fazem do órgão um dos mais relevantes do país.

Um dos maiores exemplos benéficos desta novidade foi que na mesma gestão que o DPH foi criado, em 1975, ocorreu a desapropriação do Edifício Martinelli, à época um prédio em terríveis condições de preservação e apelidado de "treme-treme" com problemas estruturais, prostituição, lixo e até assassinatos ocorrendo dentro dele.

O Edifício Martinelli em abril de 1979 quando ainda estava recebendo sua primeira obra de restauro. - Folhapress

O restauro do Martinelli foi um dos primeiros desafios do DPH que até hoje não cansou de proteger a capital da ferocidade do mercado imobiliário e do abandono de patrimônio. Há anos com uma equipe reduzida e sem novos técnicos, o trabalho dos funcionários é digno de aplausos.

Contudo agora toda essa tradição, capacidade e força está comprometida, com a assinatura de um decreto na última quarta-feira, 9 de agosto, pelo prefeito paulistano Ricardo Nunes (MDB).

OUSANDO NO QUE NEM BOLSONARO OUSOU

O decreto 62.652 modifica a estrutura da Secretaria Municipal de Cultura (SMC), alterando decretos anteriores e também a distribuição de cargos comissionados, o que principalmente decreta o fim do DPH, que é fatiado em vários departamentos e passa a se chamar Coordenadoria do Patrimônio Histórico (CPH).

Apesar de ser assinada pelo atual prefeito a proposta de mudança não é nova e vem do gabinete de seu antecessor, Bruno Covas (PSDB). Por resistência da própria SMC na época, que enxergava na medida um enfraquecimento do DPH disfarçado em melhoria o projeto não foi adiante. Contudo neste momento Ricardo Nunes sentiu-se confiante o bastante para assinar o decreto e extinguir o órgão criado em 1975.

O Prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e o ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro, reunidos para entrevista em junho deste ano. Ambos não dão atenção aos órgãos de defesa do patrimônio histórico. - Marlene Bergamo/Folhapress

Ao interferir intimamente no DPH o prefeito paulistano ousa até mais que Jair Bolsonaro, a quem Nunes quer o apoio para as eleições de 2024, uma vez que o ex-presidente pensou por diversas vezes em paralisar o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), contudo ousou apenas em nomear pessoas mais alinhadas com suas ideias.

Desde que tomou posse a gestão Ricardo Nunes vem desvalorizando o DPH onde chegou até a nomear para o cargo de diretor um indicado político que se apresentava como guru de autoajuda e não entendia nada do cargo. Atualmente a direção é ocupada por Nélson Gonçalves de Lima Júnior.

FUNCIONÁRIOS DECEPCIONADOS

Esse colunista foi procurado por diversos funcionários do DPH que não deixaram de expressar a decepção com a mudança e a forma pouco democrática que a medida foi tomada, já que não foram sequer ouvidos ou puderam opinar a respeito das mudanças. Alguns enxergam com bons olhos os ajustes nos cargos, contudo parte entende que mudar o nome DPH para CPH além de desnecessário, apaga um nome já consagrado e enfraquece o órgão.

Quando ocorreu mudança similar na Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) seus funcionários foram ouvidos e puderam opinar sobre as alterações. Já aqui na SMC funcionários foram desprezados, escancarando o relacionamento difícil entre a secretária de cultura, Aline Torres, e seus comandados.

Teme-se agora que as mudanças trarão mais comissionados para ocupar cargos no novo CPH, enfraquecendo a coordenadoria e a defesa do patrimônio histórico paulistano. A publicação do decreto aconteceu na véspera de um encontro do prefeito com lideranças do mercado imobiliário, os maiores interessados em ver um DPH enfraquecido ou, quem sabe, a sete palmos.

palacete antigo
Até o momento não tombado como patrimônio histórico, casarão da família Fanganiello, na alameda Eduardo Prado, região central de São Paulo, segue livre para ser vendido ou demolido. - Douglas Nascimento/São Paulo Antiga

O QUE DIZ A PREFEITURA

Questionado sobre essas mudanças a Secretaria Municipal de Comunicação (SECOM) enviou a seguinte nota:

"A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, informa que o Decreto 62652, de 9 de agosto, reestrutura o Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), transformando-o na Coordenadoria do Patrimônio Histórico (CPH). A reestruturação se deve à divisão de cargos comissionados, e está publicada no decreto, assim como as funções de cada setor dentro do CPH. O intuito é otimizar e aprimorar o serviço público prestado pelo setor, pensando sempre no munícipe e na missão do CPOH de valorização e proteção do Patrimônio Histórico."

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