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Vacina e ciência são escolhas políticas?

Folha repercute nosso levantamento de opinião sobre saúde, religião e política

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São Paulo (SP)
Imagem com um fundo de cor salmão retratando três pessoas acamadas usando máscaras ligadas a respiradores e com sondas nos braços, todas segurando placas dizendo as frases "Máscara não! Liberdade", "Antivax" e "Vacina não!", com uma placa solta no canto esquerdo dizendo "Cloroquina já!".
Mariana Zanetti/SoU_Ciência

Nesta quinta na Folha online e hoje na Folha impressa, a jornalista Ana Bottallo repercutiu o último levantamento de opinião pública realizado pelo SoU_Ciência e Instituto Ideia, que revelou que eleitores que apoiaram Lula na última eleição demonstraram maior adesão à vacinação contra a Covid-19, tanto nas etapas iniciais quanto nas fases de reforço, em comparação aos eleitores de Bolsonaro. O estudo, realizado entre 5 e 10 de julho com 1.295 entrevistados, mostrou que 28% dos lulistas receberam até a quinta dose, em contraste com 10,7% dos bolsonaristas. A pesquisa também indicou que a politização da vacina durante a pandemia influenciou na confiança dos imunizantes, com os apoiadores de Lula se mostrando mais favoráveis à vacinação do que os de Bolsonaro.

A pesquisa também revelou diferenças na adesão à vacinação com base em religião, escolaridade e renda. Católicos se vacinaram em maior número que os evangélicos, com 24% dos católicos buscando vacinação até a última dose, contra 9,8% dos evangélicos. Em termos de escolaridade, aqueles com ensino superior completo se vacinaram mais (24,1%) do que os que apenas completaram o ensino fundamental (13,4%). Quanto à renda, a adesão à vacinação foi maior entre aqueles que ganham mais, com 84% das pessoas que recebem de 3 a 5 salários mínimos aderindo às campanhas de vacinação.

Há uma clara necessidade de campanhas de vacinação direcionadas, sobretudo voltadas para grupos menos escolarizados e de menor renda, para garantir que a imunização alcance amplamente todas as camadas da população. A influência da desinformação é evidente, especialmente entre o eleitorado de Bolsonaro e entre os evangélicos. É crucial combater essa desinformação com fontes confiáveis e estratégias de comunicação eficazes.

Na segunda matéria, a jornalista Ana Bottallo abordou a diferença na percepção e defesa da vacinação infantil. Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro demonstram maior resistência à vacinação infantil contra a Covid-19 em comparação com os eleitores de Lula. A pesquisa revelou que 27,2% dos que votaram em Bolsonaro rejeitam a vacinação contra Covid para crianças, em comparação com apenas 2,2% dos eleitores de Lula. O efeito dos ataques à vacina contra Covid repercutiu também na adesão à vacinação infantil contra poliomielite e sarampo, que também diminuiu entre os apoiadores de Bolsonaro. Os dados refletem a influência dos grupos antivacina na opinião pública brasileira, com uma cobertura vacinal em crianças significativamente mais baixa do que em adultos. Além disso, destaca-se o impacto particular de Bolsonaro na comunidade evangélica, cujo apoio à vacinação infantil contra a Covid é significativamente menor em comparação com os católicos.

Se você quiser ter acesso aos dados completos da pesquisa, apresentados em 8 tópicos temáticos, 15 infográficos e o questionário aplicado, acesse o relatório em nosso site.

No Relatório completo também demonstramos que o chamado "Kit Covid", um coquetel de medicamentos que inclui a cloroquina e sem comprovação científica para tratamento da Covid-19, foi receitado em massa no Brasil e distribuído de forma desproporcional entre a população. Aqueles com menor renda e educação foram os mais afetados, com 63% das pessoas que ganhavam menos de um salário mínimo recebendo o kit, em comparação com 32% daqueles com rendimentos acima de cinco salários. Semelhantemente, 66% dos que têm formação até o ensino fundamental. A distribuição foi ampla pelo SUS, que atende principalmente a população de baixa renda. Apenas 3% dos infectados afirmam ter se automedicado.

Destacamos a responsabilidade da classe médica, do Conselho Federal de Medicina e de governos alinhados ao bolsonarismo na distribuição desses medicamentos. Além disso, 57% das pessoas que receberam o kit acreditam que ele foi crucial para sua recuperação, especialmente entre aqueles com menor educação e os que acreditam que houve fraude nas últimas eleições. A promoção massiva do kit entre apoiadores de Bolsonaro pode ter criado uma dissonância cognitiva, levando a uma forte crença em sua eficácia, apesar da falta de evidências científicas.

A nossa pesquisa também indicou uma grande subnotificação de casos de Covid-19 no Brasil. 41% dos entrevistados afirmando ter contraído a Covid-19, representando uma estimativa de 66 milhões de brasileiros adultos. Em contraste, os dados oficiais do Ministério da Saúde mostram 37 milhões de casos. O estudo também destaca o impacto emocional da pandemia, com 51% dos entrevistados em luto devido à perda de um familiar ou amigo.

A pesquisa também abordou a responsabilidade pela gestão da pandemia. Mesmo entre os eleitores de Bolsonaro, 37% acreditam que sua conduta contribuiu para o aumento das mortes. A maioria (52%) deseja um julgamento e condenação relacionados à pandemia, e há apoio para a criação de uma comissão da verdade (45%), indenizações às vítimas (39%) e um tribunal especial para julgamentos acelerados (38%).

Mesmo entre evangélicos, que votaram em peso em Bolsonaro, a maioria (52,2%) concorda que se a conduta do governo fosse outra o número de mortes teria sido menor. Ou seja, não querem mais ser enganados, pois também vivenciaram muitas perdas e lutos e refletiram sobre o assunto. Passada a pandemia, eles estão interessados em apoiar o SUS, a ciência, uma Comissão da Verdade para julgar os crimes da pandemia e procurando informação confiável.

Há também consenso entre os entrevistados independente da inclinação política ou religiosa sobre o que fazer para que tragédias como essa não se repitam: a maioria concorda com a necessidade de investir mais no SUS, em ciência, pesquisa, no desenvolvimento de vacinas nacionais e na melhoria na formação de profissionais de saúde.

Passado o furacão da polarização e da desinformação criminosa, o Brasil precisa ser reconstruído com a sociedade e governo buscando consensos possíveis: a defesa do SUS e da ciência parece ser uma plataforma comum poderosa para que tragédias como a que passamos não se repitam.

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