Tinto ou Branco

Tudo que você sempre quis saber sobre vinho, mas tinha medo de perguntar

Tinto ou Branco - Tânia Nogueira
Tânia Nogueira
Descrição de chapéu União Europeia

Conheça os vinhos e castelos da Borgonha sem gastar muito

Região que produz vinhos mais caros do mundo, tem turismo descontraído

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

É possível visitar a Borgonha sem gastar mais do que se gasta em qualquer viagem para a Europa, sendo que ali são produzidos os vinhos mais caros do mundo. Isso contei, no post anterior, junto com a primeira parte da história da minha viagem para essa região vinícola da França em julho deste ano. Expliquei que o pedaço mais famoso da Borgonha é a Côte d’Or e que ela se divide em Côte de Beaune e Côte de Nuits, com a cidade de Beaune no meio.

Na primeira parte, falei das visitas que fiz com a brasileira Pryscila Gashi Musso, da Viti Wine Tours, a duas vinícolas da Côte de Beaune, sub-região que é reconhecida por seus brancos. Agora vamos falar da Côte de Nuits (reconhecida pelos tintos) e do resto da viagem.

Pátio de um castelo medieval
O Hospice de Beaune, antigo hospital que virou museu, é uma das principais atrações da região - arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

Na Côte de Nuits, Priscila me levou ao Domaine Michel Gros, em Vosne-Romanée. Só fiz essa visita porque estava acompanhada de Pryscila. O domaine não é aberto ao turismo, mas aceita receber alguns clientes especiais da guia. A vinícola fica dentro da pequena vila de Vosne-Romanée.

Na Borgonha, a maioria desses nomes de denominações de origem controlada são nomes de vilas. Vosne-Romanée é bem pequena. A vizinha, Nuits-Saint-Georges, pela qual passamos no caminho, já é maior. Quem gosta dos vinhos da Borgonha certamente lembra destes nomes.

Michel Gros pertence a uma família que produz vinho na região desde 1830. Há dois ou três domaines com o nome Gros ali em Vosne-Romanée. Parentes. A razão de haver tantas pequenas propriedades na Borgonha é, justamente, a questão das heranças. À diferença de outras regiões francesas onde no passado só o primeiro filho homem herdava as terras, na Borgonha elas sempre foram divididas entre todos os filhos.

Michel tem 23 hectares de vinhedos espalhados pela Côte de Nuits. Como falei no texto anterior, é comum as vinícolas possuírem só algumas fileiras de um vinhedo. Quando o vinhedo é inteiro de um proprietário, se diz que é um "monopole". O vinhedo mais emblemático do Domaine Michel Gros, aquele que produz as uvas de seu vinho mais famoso, é um monopole, o Clos de Réas, ali em Vosne-Romanee mesmo. Esse vinhedo é classificado como premier cru. Na Borgonha, os vinhos são classificados como genéricos (recebem apenas a denominação bourgogne), village (recebem o nome da vila onde estão, por exemplo, Vosne-Romanee), premier cru e grand cru. As duas últimas classificações só são dadas a vinhedos muito especiais.

Quem nos recebeu foi Pierre, filho de Michel, que hoje toca a vinícola junto com o pai. Provamos oito vinhos da safra 2020, um branco e sete tintos. Todos incríveis, mas todos ainda muito jovens. Vinhos da Borgonha melhoram com os anos, especialmente os premier cru e os grand cru. Entre os oito, havia três premier cru. Vinhos que vão durar décadas.

oito garrafas de vinho enfileiradas
A linha de vinhos de Michel Gros que provei naquela tarde - arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

É interessante notar que, entre eles, estava o Domaine Michel Gros Nuits Saint Georges Premier Cru. E não vinha indicado o nome do vinhedo. Como, se a classificação é dada ao vinhedo e não ao vinho? Nesse caso, o vinho é feito com uvas de dois ou mais vinhedos, mas todos têm de ser premier cru.

Saímos de lá já eram mais de três da tarde. Estávamos varadas de fome. Os roteiros da Viti Wine Tours não costumam ser tão corridos assim. O meu foi porque, como contei na primeira parte da história, perdi um dia de viagem por conta de a Air France ter cancelado meu voo da Itália para a França. Então, tivemos que encaixar tudo em um único dia, pois, no dia seguinte, Pryscila estava vindo passar férias com a família no Brasil.

Decidimos comer numa espécie de delicatessen recém-inaugurada a poucos passos da vinícola, a La Cuverie de Vosne. O lugar é lindo, super moderno e funciona tanto como um empório quanto como restaurante rápido. Tem vinhos de várias partes da Borgonha, queijos, frios, terrines e algumas comidinhas, tudo muito gostoso. Não é caro. Comemos super bem, tomamos uma taça cada, sobrou comida para levar e a conta saiu cerca de 40 euros para as duas.

Tábua com uma terrine e pães
Jambon presilé, típico da Borgonha, um tipo de terrine de porco, foi a entrada de nosso almoço no La Cuverie de Vosne - arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

A partir daí, não tínhamos mais nada agendado. Mas Pryscila queria ainda me mostrar duas coisas. A primeira delas, a poucos metros de onde estávamos era o Domaine de La Romanée-Conti. Passamos em frente à vinícola que fica fechada, não é aberta a visitas, e seguimos para os vinhedos um pouco mais acima. Esses são completamente abertos. Entrei, passeie um pouco entre as videiras e fiz foto, claro. As uvas ainda estavam muito pequenas.

E quando estão grandes? Os turistas não comem? Pryscila explica que orienta seus clientes para não tirarem nada do lugar, nem uvas, nem pedras, nem nada. "Há câmeras por todos os cantos", conta. "Se um cliente meu tirar um cacho, fica muito ruim para mim." E diz que, felizmente, a maioria das pessoas é muito consciente. O vinhedo La Romanée-Conti, um monopole do Domaine de La Romanée-Conti, é um grand cru. Ao lado, há outros vinhedos famosos, como o La Tâche, também um monopole do mesmo domaine, e o Richebourg, que é dividido entre alguns produtores.

muro de pedra com a placa La Romanée-Conti
Os vinhedo La Romanée-Conti tem muros baixos com aberturas que permitem que qualquer um entre - arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

De lá, seguimos por uma estradinha de terra até a AOC (Appellation d' Origine Contrôlée) vizinha Vougeot para conhecer o Clos de Vougeot, o maior vinhedo murado da Borgonha onde está o castelo e museu de mesmo nome. O museu é muito bacana, traz toda a história dos vinhos da Borgonha desde a época dos monges cistercienses, que são considerados os responsáveis por criar o conceito de terroir, ou seja, a ideia de que o solo, o clima, a topografia e os tratos culturais fazem com que cada vinho seja diferente do outro independentemente do fato de serem feitos da mesma uva.

Dentro do próprio Clos de Vougeot, que é inteiro um grand cru, um vinho não é igual a outro. O vinhedo, que é um dos maiores da Borgonha, tem cerca de 50 hectares e mais de 80 proprietários. Cada um cuida de sua fileirinha de modo diferente. E os preços variam muito.

Há uma vinícola inteira montada com equipamentos medievais dentro do museu. Só para o turista ver. Não está em funcionamento. A entrada custa 9 euros. Há também opções de visitas com degustação. A Expérience Sensorielle Coeur de Climats, que acontece duas vezes por dia de terça a domingo e inclui degustação de cinco vinhos e cinco queijos, por exemplo, custa 30 euros.

Prédio medieval com grandes tonéis de madeira
Vinícola medieval no museu do Château du Clos de Vougeot - arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

Terminada a visita, Pryscila me levou de volta a Beaune. A cidade é linda e animada. E tem preços normais. Fiquei no Hotel Athanor, bem no centro histórico, na alta temporada, e paguei cerca de 90 euros por noite. É um hotel pequeno e simples, mas muito bem localizado. Tem cama boa, bons lençóis e bons travesseiros. É limpo. E os funcionários são super simpáticos. Isso é tudo que eu preciso. A janela também tem uma vista bem bonita.

A cidade tem restaurantes de preços variados. Sempre é bom olhar o menu antes de entrar. No dia seguinte, fiz uma visita de trabalho a uma vinícola ótima, mas que não recebe turistas, onde fizemos uma prova de vinhos das barricas. Fui de táxi. Era próxima à Michel Gros. Gastei 140 euros para ir e voltar. Recomendo que, se não estiver com um guia, alugue um carro e modere muito no álcool.

Na volta, fui visitar o Hôtel Dieu - Hospice de Beaune, um antigo hospital que hoje funciona como museu dentro da cidade de Beaune. É um prédio lindo, com o telhado todo decorado (foto ao alto). Foi construído no século 15 pelo chanceler Nicolas Rolin e sua esposa, Guigone de Salins. Inaugurado em 1443, abrigava pessoas que não podiam pagar por seus tratamentos.

cama de hospital antiga
No prédio histórico do Hospice de Beaune, que funcionou de 1430 até os anos 1950, ao lado das camas, os pacientes tinham uma pequena jarra de vinho - arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

O chanceler e a esposa empenharam muito de suas fortunas pessoais nessa obra, mas ao longo do tempo ela foi sustentada principalmente por doações, que em muitos casos eram feitas na forma de vinhos e vinhedos. O Hospice acabou por se tornar um reconhecido produtor e negociante. Ele existe até hoje e funciona num prédio moderno. Todos os anos, organiza um grande leilão beneficente de vinhos. O próximo será agora em novembro.

O tour é bastante divertido. Vale muito a pena pegar o áudio em português que tem explicações sobre cada etapa. Os narradores são dois atores que representam o chanceler e a esposa. Como a gente está com aquilo no ouvido, fica mais fácil mergulhar na história. Na saída, há uma loja onde dá para comprar os vinhos do Hospice. Eu não comprei nada porque não tinha espaço na mala e ainda viajaria a Paris e Lisboa.

Decididamente, a Borgonha não foi o trecho mais caro da viagem. Há apenas um problema: a gente volta achando que o preço cobrado pelos vinhos, afinal, não é tão caro assim, já que eles são tão especiais. E quem tem dinheiro acaba se tornando um consumidor habitual.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.