Vidas Atípicas

Em busca de respostas para dúvidas profundas e inesgotáveis sobre o autismo

Vidas Atípicas - Johanna Nublat
Johanna Nublat

Há mais meninos autistas que meninas?

Fator biológico protetivo e falta de diagnóstico podem explicar a desproporção

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quando comecei na jornada da maternidade atípica, ouvia muito que havia mais meninos autistas que meninas. A proporção aceita oficialmente, hoje, é de quase quatro meninos autistas para cada menina autista, segundo o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano).

Imagem do livro 'Menino Baleia', de Lulu Lima
Imagem do livro 'Menino Baleia', de Lulu Lima, sobre o autismo - Reprodução

Lembro de ouvir sobre o "modelo do copo": meninas teriam copos maiores que os meninos que precisariam transbordar de fatores genéticos e ambientais para que a criança estivesse no espectro.

Depois ouvi muito sobre como os critérios diagnósticos do TEA (o Transtorno do Espectro Autista) estavam desenhados para meninos e que, por isso, as meninas não eram diagnosticadas precocemente — elas acabavam crescendo sem suporte e eram diagnosticadas na adolescência ou já adultas, quando as dificuldades de relacionamento social ficavam evidentes.

A pergunta, então, seria: realmente há mais meninos autistas ou as meninas autistas só não estão diagnosticadas?

A resposta parece ser "as duas coisas".

Uma teoria considerada no meio científico, a partir de evidências de estudos, é a do "efeito protetivo feminino", segundo a qual meninas teriam uma espécie de proteção biológica contra o autismo, necessitando herdar mais fatores genéticos para manifestar os sintomas do TEA, ou sendo mais resistentes aos fatores genéticos no momento de manifestar os sintomas.

Por outro lado, muitas meninas autistas não manifestam os sintomas clássicos identificados em meninos — e os sinais que elas manifestam ainda podem ser culturalmente confundidos com características femininas esperadas pela comunidade.

Aline Provensi, psicóloga, autista e especialista em autismo, explica que há uma hipótese de que a proporção "4X1" entre os sexos no autismo esteja defasada, mas que não há ainda uma confirmação. E que a proporção é ainda maior quando falamos em nível de suporte 1: ali, seriam oito meninos autistas para cada menina, segundo ela.

Provensi diz que, apesar da desproporção relatada, "a base vai ser a mesma: déficits na comunicação e interação social, e padrões restritos e repetitivos". Ela explica, também, que o formato do comportamento é diferente.

Um exemplo, segundo Provensi, é o dos hiperfocos, interesses extremos que muitos autistas têm por temas e objetos específicos, característica que entra nos padrões restritos e repetitivos de comportamento.

"O de meninas não costuma ser uma coisa só e que dura a vida inteira. São hiperfocos mais rápidos e que geralmente estão mais relacionados a assuntos comuns para a idade, culturalmente falando. Acabam sendo interpretados como mais ‘funcionais’. Não é [um hiperfoco em] ‘modelos específicos de aviões de guerra’. Acaba sendo a pessoinha da banda tal. Só que é esperado que isso aconteça. Pela leitura do comportamento, as pessoas pensam ‘meninas fazem isso’", explica a psicóloga.

Outros sinais clássicos do autismo manifestado em meninas, segundo Provensi, podem ser: timidez ou excesso de extroversão; dificuldade em saber quando começar ou parar de falar; hiperreatividade a estímulos sociais; hiperempatia; hiperfocos em pessoas específicas e dificuldade em aumentar o ciclo de amizades; assistir sempre à mesma série ou ouvir sempre a mesma música.

Além de manifestarem sintomas diferentes, meninas autistas "têm uma tendência maior a maquiar e compensar as dificuldades, mas não quer dizer que elas não tenham dificuldades", ressalta Provensi.

O alerta é que a falta de consciência sobre os sintomas costuma levar a diagnósticos tardios e à ausência de suporte durante a infância, com impactos profundos no desenvolvimento da menina, que muitas vezes não consegue navegar diante do aumento da complexidade das relações sociais na adolescência.

"Chegou na adolescência, ela já tem um leque de frustrações grande. As pessoas começam a nomear o comportamento dela: ‘Você é lenta, é chata, é esquisita’. Nesse momento, é que essas adolescentes começam a manifestar quadros depressivos, transtorno de ansiedade generalizada", diz Provensi, que alerta para níveis mais elevados de suicídio entre meninas autistas de nível 1 de suporte, justamente pela falta de suporte ao longo da vida.

O suporte de terapias é, assim, essencial, conclui Provensi, ela mesma diagnosticada autista tardiamente: "A menina vai ter ferramentas para lidar com essas dificuldades. A gente percebe que a gente é diferente na infância. Eu sempre soube que tinha alguma coisa diferente, mas eu não sabia o que era".

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.