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UFMG rejeita diagnóstico de professora autista que ensina sobre autismo

Negativa levanta questionamento sobre os critérios para diagnosticar autistas de menor suporte e mulheres

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Johanna Nublat

A professora universitária Ana Amélia Cardoso, 44, teve o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) apenas no final de 2020, aos 41 anos. Recebeu a notícia com um misto de sentimentos.

"Eu senti alívio porque várias situações que vivenciei estavam explicadas com nome e sobrenome. Mas, como fomos criados numa cultura muito capacitista [de preconceito com a pessoa com deficiência], eu pensava '[como que] eu sou uma pessoa com deficiência que fez doutorado e dá aula em uma das maiores universidades do país? No começo, tive essa briga interna", conta Cardoso.

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Professora Ana Amélia Cardoso dá aula sobre terapia ocupacional em universidade federal - Arquivo pessoal

Não sem antes se questionar sobre a possibilidade de o diagnóstico virar estigma, a professora de Terapia Ocupacional da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) resolveu solicitar à universidade o reconhecimento, em sua ficha profissional, de que ela era uma pessoa com deficiência.

"Eu não queria um benefício específico, isso é parte da nossa luta de ativismo pelo TEA. Faz parte do meu trabalho, enquanto pessoa que quer a conscientização sobre o autismo, dizer que, apesar das dificuldades, os autistas têm potências. E que ter potências não significa que o que foi alcançado não foi sofrido."

Mas a UFMG negou o pedido. Reiteradamente.

Além de ser professora do curso de Terapia Ocupacional -- profissão que rotineiramente integra o tratamento de pessoas autistas --, Cardoso é professora de uma pós-graduação em autismo ofertada pela própria UFMG.

Procurada sobre o caso, a universidade afirmou que três juntas médicas "concluíram que não há elementos suficientes para diagnosticar a servidora no espectro autista".

Cardoso explica que foi diagnosticada por um psiquiatra, após longas entrevistas com ela e sua mãe (para colher informações sobre seu desenvolvimento na primeira infância, elemento crucial em diagnósticos de autismo), e usando resultados de testes neuropsicológicos que ela tinha realizado com profissionais da própria universidade. As juntas médicas da UFMG, por outro lado, diz ela, fizeram apenas entrevistas gerais e não aplicaram nenhum teste, nem mesmo questionários básicos de rastreio de autismo.

A professora alerta para frequentes entraves nos diagnósticos de autistas que dependem de menor suporte no dia a dia (o nível 1) e de autistas mulheres, que costumam ter desafios em habilidades sociais que corriqueiramente são menos vinculados ao TEA.

No caso dela, desafios comuns estão "nas sutilezas de comunicação". "Falar uma coisa e querer dizer outra, a dificuldade de ter um filtro social, falar coisas que não deve", explica.

"Os médicos do DAST [Departamento de Atenção à Saúde do Trabalhador da UFMG] estão desatualizados, eles têm que estudar e aprender as diferentes apresentações do autismo. Não podem esperar só aquele 'autismo clássico', porque o nível 3 de suporte dificilmente vai entrar na universidade e ter contato com os médicos desse departamento." A professora pretende ir à Justiça pelo reconhecimento.

Questionada sobre a especialidade dos médicos das juntas, sobre os critérios usados para a identificação de um autista de nível 1 de suporte e sobre os motivos para a negativa no caso da professora, a UFMG disse que "em respeito ao sigilo que resguarda o processo de avaliação pericial, especialmente em razão de informações de natureza pessoal, as quais se destinam a fundamentar a avaliação médica realizada, cumpre-nos apontar a impossibilidade do fornecimento de informações pormenorizadas do caso objetivo em questão" e que "atua em estrita observância à legislação em vigor, notadamente o decreto 3.298/2009 e a lei 12.764 de 27 de dezembro de 2012".

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