Virada Psicodélica

Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental

Virada Psicodélica - Marcelo Leite
Marcelo Leite
Descrição de chapéu Mente

Alberta, no Canadá, sai na frente e regulamenta terapia psicodélica

Governo da província permitirá prescrição por clínicas licenciadas em janeiro

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São Paulo

A província canadense de Alberta surpreendeu nesta quarta-feira (5) com uma pioneira regulamentação de psicoterapia assistida por psicodélicos. Substâncias como LSD, psilocibina (de cogumelos "mágicos"), DMT (componente da ayahuasca), MDMA (base do ecstasy) e mescalina (do cacto peiote) seguem proibidas no país, mas poderão ser usadas para tratar transtornos psiquiátricos.

Três homens de gravata participam de entrevista coletiva com bandeiras do Canadá ao fundo
Mike Ellis, do governo provincial de Alberta, Canadá, dá entrevista coletiva em Edmonton - Reprodução de vídeo

O anúncio veio numa entrevista coletiva de Mike Ellis, espécie de subsecretário provincial de Saúde para a área de saúde mental. Ele já foi agente de polícia e disse que seus antigos colegas e profissionais de saúde, vítimas frequentes de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), figuram entre os mais interessados nessa possibilidade de tratamento.

Ellis citou pesquisas promissoras com os compostos alteradores da consciência para enfrentar TEPT e depressão resistente a tratamento (quando antidepressivos convencionais não resultam em melhora). Com efeito, o empatógeno MDMA, que não é um psicodélico clássico por não ter efeitos visuais, já se encontra em testes clínicos de fase 3 para TEPT e pode receber aprovação nos EUA, em 2023 ou 2024, como parte de um protocolo de psicoterapia.

Também há muitos estudos adiantados para empregar psilocibina contra depressão. No Brasil, o Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN) pesquisa há anos ayahuasca e seu composto psicoativo DMT para quadros depressivos resistentes, com bons resultados preliminares.

Parte da surpresa causada pelo governo de Alberta vem do fato de a província com 4,5 milhões de habitantes ter fama de conservadora, em contradição aparente com a permissão para uso inovador dessas substâncias poderosas, ainda que sob controle estrito.

Apenas clínicas especialmente licenciadas poderão dá-las a pacientes, com acompanhamento profissional durante todo o efeito ("viagem") e sob supervisão de psiquiatras. As drogas não poderão ser cobradas, e o procedimento tem de ocorrer em ambiente hospitalar.

Em outras palavras, um esquema diverso do que firmou como cannabis medicinal nos EUA, com seus dispensários para portadores de prescrições médicas, que em seguida abriram as portas para o comércio para produtos de uso adulto. Não se pensa em venda de varejo para psicodélicos –ainda.

Psiquiatras que defendem o uso de psicodélicos saudaram a mudança nos regulamentos como um avanço, pois mais pessoas com transtornos mentais terão acesso a eles (hoje isso só ocorre em casos excepcionais, com permissão de autoridades federais). Por outro lado, existe a possibilidade de que as novas regras, com suas altas exigências em nome da segurança, resultem na perseguição a terapeutas alternativos que já empregam esses compostos.

Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina
Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina - (Divulgação)

Nesse sentido, Alberta segue em direção muito diversa do modelo adotado em Oregon. Nesse estado americano, só um produto se tornará legal, os cogumelos Psilocybe cubensis, também em janeiro, mas poderá ser administrado por profissionais não médicos chamados de "facilitadores", desde que façam um treinamento específico de 120 horas e obtenham licença para abrir um "serviço de psilocibina".

A via escolhida em Oregon foi aprovada num referendo de 2020. O texto da Medida 109, que se tornou lei estadual, privilegia, além de acessibilidade e segurança (como em Alberta), a equidade.

No caso, tratou-se de manter no mercado de provedores também os terapeutas naturais, curandeiros e neoxamãs psicodélicos que nunca deixaram de usar as chamadas plantas de poder. Sob controle total da corporação médica, como parece ser o modelo de Alberta, esses pioneiros teriam de permanecer na clandestinidade.

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Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira".

Não deixe de ver também as reportagens da série "A Ressurreição da Jurema":

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/reporter-conta-experiencia-de-inalar-dmt-psicodelico-em-teste-contra-depressao.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/da-caatinga-ao-laboratorio-cientistas-investigam-efeito-antidepressivo-de-psicodelico.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/cultos-com-alucinogeno-da-jurema-florescem-no-nordeste.shtml

Cabe lembrar que psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.

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