Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Voltaire de Souza

Desculpe muito, professor

Por vezes, quem quer falar grosso desafina um bocado

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Voltaire de Souza

Arte. Lirismo. Emoção.

O mundo da ópera não morre jamais.

No Brasil, nem todo mundo curte.

O sr. Oscarzinho era um bem-sucedido agricultor.

–Comigo, só sertanejo.

Uma esplêndida mansão no Guarujá estava pronta para seus momentos de lazer.

A ideia era comemorar o aniversário.

Acompanhantes. Modelos. Celebridades.

A dupla sertaneja Motosserra e Machadinho faria a animação do evento.

O pistoleiro Espoleta cuidaria da segurança.

–Afinal, estou convidando políticos também.

O jatinho saiu de Mato Grosso em seu passeio pelos horizontes nacionais.

Nuvens. Raios. Turbulência.

–Temos de parar em Santos. Ou é acidente na certa.

Entre uma cidade e outra, o transporte é de balsa.

Oscarzinho relaxava no trajeto.

Uísque 30 anos. Espumante italiano.

–E cachacinha reserva especial.

Saiu nos jornais.

Famoso cantor lírico enfrenta problemas na balsa para o Guarujá.

A Polícia Militar chega armada. E trata o cantor como ladrão de carro.

Motivo: era negro.

Oscarzinho e seu pistoleiro assistiram à cena.

–Ajuda lá a polícia, Espoleta.

–É, seu Oscarzinho. Esses soldados são muito frouxos.

–Coisa de direitos humanos.

–Dou cabo desse bandido agora mesmo.

–Joga o corpo na água do canal.

–Será?

Manchas irisadas de óleo brincavam nas águas negras do canal santista.

Uma imagem surgiu diante de Oscarzinho e Espoleta.

Um leito hospitalar.

Um professor de óculos e terno marrom.

–I can’t breathe. I can’t breathe.

–Falando em inglês. Não dá para entender.

–Coitado… parece que está morrendo.

Problemas respiratórios atingiam o estranho fantasma.

–Estranho… era branco. Agora parece que é preto.

–Help. Help.

George Floyd? Olavo de Carvalho?

Joelhaço? Covid?

A PM terminou liberando o cantor.

Oscarzinho também desistiu de atitudes privadas.

–Na dúvida, melhor não mexer com essas coisas.

Na festa, a dupla Motosserra e Machadinho ia começar o show.

Foi quando o sistema de som deu problema.

Ruídos.Tosses. Gargalhadas.

Uma voz sarcástica.

–Babaca. Idiota.

Oscarzinho percebeu nova interferência do além.

–Professor. O senhor de novo?

–Me confundir com um negro, pô.

–Puxa, desculpe muito, professor.

–E ainda achar que eu morri de Covid.

–Foi mal, meu mestre. Sorry pra caramba.

Convicções não se abalam.

Mas, por vezes, as vozes mais enfáticas erram o tom.

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