Propina. Escândalo. Corrupção.
Graves suspeitas atingem o MEC.
Liberação de verbas?
Sai mais fácil com doação em ouro puro.
O pastor Avarildo não via nada de errado.
–Se até para entrar no céu a gente cobra taxa…
Ele se afundou na poltrona de couro.
–Imagina para ajudar uma prefeitura.
Nuvens cor-de-rosa transitavam pelos horizontes de Brasília.
–O dízimo vale para todo mundo.
Avarildo não gostava de misturar política com religião.
–Até para os nossos aliados eu cobro igualzinho.
Tocou o celular.
Avarildo fez um gesto para a secretária Simone.
–Atende para mim?
Era um prefeito do Amapá.
Simone tampou o micro.
–Quer saber quando chega o dinheiro.
–Hã… qual era esse caso mesmo?
–O ginásio de esportes.
–Qual a cidade?
–Caripuna do Alto.
A mente organizada de Avarildo lembrou-se do caso.
–Terra indígena. Mas cheia de ouro.
–O que é que eu falo para o prefeito, pastor?
–Diz que… espera aí.
Avarildo resolveu falar diretamente.
–Querido. Várias coisas.
Ele fez cara séria.
–Com tanto ouro aí, um quilo não basta.
O pastor conhecia as leis do mercado.
–Depois, tem o seguinte.
Avarildo respirou fundo.
–Sabemos da importância do esporte para a educação.
Alguns preferem livro e caderno.
–Mas esporte… para um bando de índios?
Avarildo queria redirecionar o investimento.
–Eles precisam é de fé cristã.
Muitos povos da floresta mantêm suas antigas tradições.
–Transforma esse ginásio em igreja.
O prefeito parecia concordar.
Avarildo continuou.
–Ah, uma coisa. Quando eles estiverem no culto…
Ele fez novas condições.
–Todos com a bandeirinha do Brasil.
Uma última exigência.
–O dízimo deles também cobro em ouro.
O prefeito ficou de pensar.
Avarildo deu outras instruções para a secretária.
–Agora, avisa o ministro do combinado.
–O ministro da Educação já está na linha.
–Não, não, esse já sabe.
–Qual ministro então, pastor?
–O da Justiça. O do Exército. Tanto faz.
Ele queria alguém com poder de fogo.
–Se houver caso de rebeldia…
–O que o senhor faz, pastor?
–Passa toda a indiarada na metralhadora.
–Puxa, pastor… o senhor não está sendo radical?
–Radical, eu? Estou sendo até generoso.
–Como assim?
–Em geral a gente cobra para pôr alguém no céu.
Avarildo sorriu com tranquilidade.
–Mas, conforme o caso, a gente manda para lá de graça mesmo.
De fato.
O ouro compra muita coisa.
Mas o chumbo é como água benta.
Distribui-se de graça.
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