Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Descrição de chapéu indígenas

Radical, eu? Longe disso

Em alguns ministérios, tratativas com prefeitos exigem conhecimento da fé cristã

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Propina. Escândalo. Corrupção.

Graves suspeitas atingem o MEC.

Liberação de verbas?

Sai mais fácil com doação em ouro puro.

O pastor Avarildo não via nada de errado.

–Se até para entrar no céu a gente cobra taxa…

Ele se afundou na poltrona de couro.

–Imagina para ajudar uma prefeitura.

Nuvens cor-de-rosa transitavam pelos horizontes de Brasília.

–O dízimo vale para todo mundo.

Avarildo não gostava de misturar política com religião.

–Até para os nossos aliados eu cobro igualzinho.

Tocou o celular.

Avarildo fez um gesto para a secretária Simone.

–Atende para mim?

Era um prefeito do Amapá.

Simone tampou o micro.

–Quer saber quando chega o dinheiro.

–Hã… qual era esse caso mesmo?

–O ginásio de esportes.

–Qual a cidade?

–Caripuna do Alto.

A mente organizada de Avarildo lembrou-se do caso.

–Terra indígena. Mas cheia de ouro.

–O que é que eu falo para o prefeito, pastor?

–Diz que… espera aí.

Avarildo resolveu falar diretamente.

–Querido. Várias coisas.

Ele fez cara séria.

–Com tanto ouro aí, um quilo não basta.

O pastor conhecia as leis do mercado.

–Depois, tem o seguinte.

Avarildo respirou fundo.

–Sabemos da importância do esporte para a educação.

Alguns preferem livro e caderno.

–Mas esporte… para um bando de índios?

Avarildo queria redirecionar o investimento.

–Eles precisam é de fé cristã.

Muitos povos da floresta mantêm suas antigas tradições.

–Transforma esse ginásio em igreja.

O prefeito parecia concordar.

Avarildo continuou.

–Ah, uma coisa. Quando eles estiverem no culto…

Ele fez novas condições.

–Todos com a bandeirinha do Brasil.

Uma última exigência.

–O dízimo deles também cobro em ouro.

O prefeito ficou de pensar.

Avarildo deu outras instruções para a secretária.

–Agora, avisa o ministro do combinado.

–O ministro da Educação já está na linha.

–Não, não, esse já sabe.

–Qual ministro então, pastor?

–O da Justiça. O do Exército. Tanto faz.

Ele queria alguém com poder de fogo.

–Se houver caso de rebeldia…

–O que o senhor faz, pastor?

–Passa toda a indiarada na metralhadora.

–Puxa, pastor… o senhor não está sendo radical?

–Radical, eu? Estou sendo até generoso.

–Como assim?

–Em geral a gente cobra para pôr alguém no céu.

Avarildo sorriu com tranquilidade.

–Mas, conforme o caso, a gente manda para lá de graça mesmo.

De fato.

O ouro compra muita coisa.

Mas o chumbo é como água benta.

Distribui-se de graça.

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