Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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A camisa é vermelha

Na disputa eleitoral, a baixaria encontra seus limites no asfalto da metrópole

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Canibalismo. Estupro. Pedofilia.

Cresce a baixaria na campanha eleitoral.

Elpídio era um velho militante de esquerda.

—Fora Bolsonaro.

Ele se afundava no tradicional sofá de curvim.

—Agora, os companheiros estão perdendo o foco.

A garrafa de conhaque se aproximava da metade.

—Os problemas do Bolsonaro são outros.

Na parede, o retrato de Che Guevara parecia prestar atenção.

—Qual é o verdadeiro crime que está em jogo por aqui?

Ele tomou mais um gole do aperitivo.

—O capitalismo, pô. Aí é que está a raiz da questão.

A garoa noturna parecia trazer sossego à região de Santa Cecília.

—É para ser radical ou não é?

O antigo televisor Colorado RQ anunciava o próximo debate.

—Chamar o Lula de ladrão... parece brincadeira.

Elpídio se dirigiu até a sacada do apartamento.

—O maior roubo é o capitalismo, caceta.

A irritação do ex-sindicalista ia se acentuando.

—Até camisa vermelha eles querem esconder agora?

Restava um pouco de bebida no fundinho da garrafa.

—Quer saber? Acho uma baita de uma traição.

As imagens da TV começaram a tremular de uma forma estranha.

—Compañero... Hay que amolecer un poquito...

O vulto de barba branca apontava o charuto na direção de Elpídio.

—Unas acusacionecitas pueden ayudar la lucha de los trabajadores.

—Fidel? É o comandante?

—Mete la camiceta blanca e para con este tchororô.

—Mas, comandante...

—Es una orden, compañero.

Elpídio baixou a cabeça.

—Quem sou eu para contestar as orientações do partido?

Ele saiu de calça e camisa branca no rumo do supermercado.

—Comprar mais uma garrafinha para engolir esse sacrifício.

Virando a esquina, ele se defrontou com o pastor Gelvânio.

Exaltado fundamentalista evangélico.

—Afastai-vos, umbandista do capeta.

—Sou marxista-leninista militante, ô imbecil.

O safanão desequilibrou Elpídio na direção da ciclovia.

O assaltante Romeu aproveitou para subtrair do militante o dinheiro e o cartão do Banco do Brasil.

Elpídio tentou apelar para os sentimentos do trombadinha.

—Somos vítimas do capitalismo, companheiro.

O tiro de 38 veio do PM Carlos. Empenhado em perseguir Romeu desde o cruzamento da avenida Angélica.

A camisa branca de Elpídio tingiu-se de puro vermelho.

—Viva a revolução.

O pastor Gelvânio quis orar enquanto a ambulância não chegava.

Elpídio reuniu forças para algumas palavras críticas.

—Pastor oportunista. Vampiro de almas a serviço do capitalismo financeiro.

O debate poderia continuar.

Mas é o uivo das ambulâncias, por vezes, quem impõe silêncio sobre os eleitores em conflito.

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