Fé. Esperança. Convicção.
O país vive momentos importantes.
Dona Idalina estava nervosa.
—O Canhoto não pode ganhar essa eleição.
Batia forte o coração daquela bolsonarista.
—Pode levar o terço na cabine de votação?
A legislação não tem nada contra.
—Vai saber. Com esses capetas comandando o TSE...
Dona Idalina acordou mais cedo do que de costume.
—Vou votar em jejum.
Para ela, tratava-se de um ato sagrado.
—Em comunhão com nosso presidente. Pela família.
Dele ou dela?
—De todos, meu filho. De todos.
Ela tinha memorizado o número de todos os candidatos.
—Queria votar no padre Kelmon para deputado... ou governador.
Quem sabe da próxima vez.
—Mas agora é Bolsonaro.
Os anéis e os dedos tremiam na hora de digitar os números na urna.
—Coisa mais complicada... só pode ser invenção do capeta.
Foi o mesário João Felipe quem notou a movimentação estranha.
—Parece que a cabine está tremendo...
Ouviram-se resmungos bizarros.
—Rrrunf... rrrunf.... arrrhum...
—Parece que esa eleitora está dando voltas... andando em círculos.
—Oiê... obadá... olorum...
Transe. Histeria. Possessão.
—Melhor chamar a segurança.
Dona Idalina parecia sapatear ao som de vigorosos atabaques.
O segurança Virgílio se aproximou da cabine.
--Tudo bem aí, minha senhora?
A imagem de Lula ainda tremulava na telinha.
—Ô meu fío... como é que dou a bênça aqui no meu Exuzinho?
Dona Idalina queria apertar o botão de Confirma.
Mas o segurança Virgílio já tinha providenciado um cobertor em cores neutras.
—A senhora está pelada... ou melhor, só de calcinha vermelha e preta...
A anciã resistiu com força sobrenatural às tentativas de disciplinar seu comportamento.
—Sou pomba-gira... sou pomba-gira.
Anos de abstinência sexual se exprimiram num beijo impulsivo.
—Vem cá. Meu guardinha.
João Felipe achou melhor suspender a votação.
—Motivo de força maior.
O voto deve ser consciente.
Mas, por vezes, a democracia é sobretudo um estado de espírito.
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