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Coronavírus

Livro de historiador superstar é retrato de um 2020 que já passou

'Notas sobre a Pandemia', de Yuval Noah Harari, reúne artigos e entrevistas de março e abril

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São Paulo

Aquilo que é publicado em jornais e revistas é, por definição, um registro transitório, que perde rapidamente pertinência e relevância conforme passam os dias. Do jornal impresso, diz-se que a manchete de hoje estará a embrulhar peixes amanhã.

Não é diferente com a cobertura da pandemia do novo coronavírus, na qual desde o início deste ano repórteres de ciência, saúde, economia e tantas outras áreas se esforçam para explicar ao leitor que muito ainda não se sabe sobre o vírus e sobre suas consequências, e que o pouco que se sabe também muda e evolui rapidamente.

Yuval Noah Harari, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, no Fórum Econômico Mundial em Dvos, na Suíça
Yuval Noah Harari, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, no Fórum Econômico Mundial em Dvos, na Suíça - Sikarin Thanachaiary - 24.jan.18/Fórum Econômico Mundial/Divulgação

Daí advém o principal problema de "Notas sobre a Pandemia e Breves Lições para o Mundo Pós-Coronavírus" (Companhia das Letras), do historiador Yuval Noah Harari, autor dos bestsellers "Sapiens" e "Homo Deus".

Trata-se de uma breve coletânea de três artigos e três entrevistas dele a periódicos diversos, publicados em março e abril deste ano.

Se o leitor conseguir se transportar em sua mente a fins de março, período que parece ter acontecido há 237 anos, mas que na verdade se deu há apenas seis meses, se lembrará de que o cenário no mundo e no Brasil era bem outro, assim como as preocupações que nos assolavam.

Em 16 de março, registrou-se no país a primeira morte por Covid-19, e uma semana depois estavam fechadas as escolas em todo o país. Discutia-se o que fechar, quando e como, e por quanto tempo. A lotação de UTIs e a falta de respiradores preocupavam.

As reflexões do Harari de março/abril são interessantes e pertinentes, mas, reunidas em livro, ficaram congeladas no tempo. O mundo, e o Sars-CoV-2, movem-se tão rápido que é difícil achar no tomo, como diz o subtítulo, lições para o mundo pós-coronavírus.

O israelense aponta, por exemplo, com razão, que o isolacionismo ou a negação da globalização não impedirão este e outros vírus de se alastrar, lembrando que na Idade Média, com mobilidade de populações muito reduzida na comparação com tempos atuais, a peste negra ainda assim conseguiu se espalhar e matar milhões.

O problema é que, agora, ninguém mais discute fechar fronteiras, e sim como retomar o turismo com alguma segurança, o que alguns países já vêm fazendo.

Também parece ter ficado para as calendas a ideia apresentada por Harari de um líder global na luta contra o vírus. Os Estados Unidos, apontados como candidatos ao posto, não conseguiram nem mesmo coordenar esforços internos de combate à Covid-19, que dirá desempenhar qualquer papel internacional. O país já conta mais de 200 mil mortos e agora se vê no meio de uma turbulenta campanha presidencial e chacoalhado por protestos por igualdade racial.

A cooperação internacional tem se dado no âmbito da ciência, com pesquisadores compartilhando resultados de estudos com rapidez e formando redes em vários países para estudar possíveis curas e vacinas para o coronavírus, com certos percalços, é verdade, mas também com muitos avanços.

Mas a esperança de Harari de que, munidos de informação científica clara e preocupados com o bem comum, os cidadãos do mundo não precisariam ser obrigados pelas autoridades a seguir regras sanitárias hoje parece prematura; redes de desinformação mostraram-se competentes, nesses últimos meses, em colocar em dúvida a eficácia de medidas que vão do isolamento às máscaras e às vacinas, que ainda nem existem. Nisso tiveram a ajuda de líderes como o americano Donald Trump e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.

Um alerta do historiador que segue atual é o de que melhorar as condições sanitárias e de saúde pública em todos os países é uma defesa contra pandemias futuras. Essa rede de proteção tem sido lamentavelmente negligenciada, e Harari bem lembra que uma epidemia de um vírus mortal em um país coloca todo o mundo em risco, como demonstrado pelo coronavírus. O Brasil, com seus 49% de domicílios sem esgoto, faria bem em escutar esse aviso.

De resto, os textos do livro, concebidos para publicação em separado em diferentes meios, padecem da repetição de ideias e da pouca profundidade que caracteriza o gênero jornalístico. De fácil leitura e com tom otimista, a coleção talvez sirva como uma fotografia de um mundo que, seis meses depois, não existe mais.

Notas sobre a Pandemia e Breves Lições para o Mundo Pós-Coronavírus

  • Preço R$ 34,90 (ebook R$ 19,90)
  • Autor Yuval Noah Harari (trad. Odorico Leal)
  • Editora Companhia das Letras
Notas sobre a Pandemia, de Yuval Noah Harari
Notas sobre a Pandemia, de Yuval Noah Harari - Divulgação
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