Descrição de chapéu Coronavírus

Desinformação circula nas redes disfarçada de ciência durante pandemia

Publicações citam estudos e especialistas como 'provas' de dados inventados sobre o novo coronavírus

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Maurício Moraes
Agência Lupa

Posts falsos sobre o novo coronavírus têm apelado para a “ciência” para tentar ganhar credibilidade durante a pandemia. Os autores dessas mensagens tiram de contexto, inventam ou distorcem estudos e falas de cientistas para divulgar supostas curas, teorias da conspiração, notícias falsas sobre vacinas e formas não comprovadas de contágio da doença.

Plataformas de todo o mundo publicaram pelo menos 207 checagens entre 1º de janeiro e 27 de julho de posts que mencionavam de alguma maneira a ciência, pesquisas, especialistas e universidades, segundo levantamento feito nas bases de dados Coronavirus Facts Alliance e CoronaVerificado. Cinco países concentraram a maior parte dessas publicações: Estados Unidos (31), Índia (24), Brasil (20), Grécia (12) e Taiwan (10).

Cerca de 34% desses conteúdos (70) estão relacionados a curas ou tratamentos da Covid-19 que teriam sido descobertos por cientistas. O primeiro post desse tipo circulou na Bósnia e Herzegovina em 22 de janeiro, afirmando que pesquisadores russos haviam encontrado um medicamento capaz de eliminar o vírus, a triazavirina. Até hoje não há, no entanto, evidência de que esse remédio funcione contra a doença. Na época, a Universidade Federal dos Urais havia apenas sugerido o seu uso, sem ter feito testes.

Também não faltaram pesquisas que teriam comprovado a eficácia da cloroquina. Ainda em março, a desinformação começou a se espalhar nos Estados Unidos. A prova estaria em um polêmico estudo preliminar feito na França pelo virologista Didier Raoult. Mas a análise tinha vários problemas metodológicos, como a exclusão de pacientes que pioraram com o tratamento. Outros posts, compartilhados no Brasil, Estados Unidos, França e México, defenderam a droga baseados em um estudo chinês, uma análise feita pelo médico Vladimir Zelenko, em Nova York, e um levantamento com médicos de 30 países. Pesquisas randomizadas e com grande número de pessoas, como a que foi produzida recentemente no Brasil, mostraram que o remédio não faz efeito.

Boa parte dos posts sobre curas usaram pesquisas científicas ou depoimentos de especialistas como "evidências" da efetividade de terapias alternativas contra o novo coronavírus. Entre os tratamentos supostamente identificados pela ciência estariam cocaína, maconha, urina de vaca, chá preto, óleo de eucalipto, bananas, vapor, suco de melão-amargo, leite com gengibre, sêmen, enxaguante bucal, chá de limão, sangue de pessoas da Geórgia, nicotina, luz do sol e veneno de abelha. Essas pesquisas não existiam ou eram antigas e foram tiradas de contexto, enquanto as pessoas citadas não tinham nenhuma especialização.

Teorias da conspiração

Os cientistas aparecem como protagonistas em histórias falsas sobre a origem do vírus, que somaram 48 checagens. As narrativas incluem o roubo do novo coronavírus de um laboratório no Canadá por pesquisadores chineses e a prisão do suposto criador do vírus, Charles Lieber, um professor da Universidade de Harvard. Lieber realmente foi processado nos Estados Unidos, mas por mentir sobre sua relação com a China para o Departamento de Defesa e os Institutos Nacionais de Saúde.

Algumas das teorias de que o SARS-CoV-2 foi criado em laboratório circularam apoiadas em depoimentos de cientistas reais. Tanto a virologista Judy Mikovits, que aparece no "documentário" Plandemic – repleto de dados falsos – como o prêmio Nobel de Medicina Luc Montaigner fizeram afirmações nesse sentido.

Não há, contudo, nenhuma comprovação científica sobre essas alegações. Pesquisas que analisaram o DNA do novo coronavírus descartaram a possibilidade de uma origem artificial. Já o prêmio Nobel de Medicina Tasuku Honjo teve uma fala inventada para apoiar essa tese, logo desmentida.

O Nobel de Medicina Tasuku Honjo teve fala inventada a respeito da origem supostamente artificial do coronavírus - 1.out.18/AFP

Ao longo da pandemia, multiplicaram-se ainda as checagens sobre vacinas supostamente descobertas por cientistas (28 no total). Em 31 de janeiro, foi verificado um texto que dizia que a imunização teria sido encontrada por médicos de uma universidade do Quênia. Feitos semelhantes também teriam ocorrido em Israel, na Austrália, nos Estados Unidos, na França, no México, na China, na Arábia Saudita e nas Filipinas. Embora existam vários estudos em andamento, até agora não há nenhuma vacina contra a Covid-19.

Pelo menos 20 checagens também foram publicadas para desmentir estudos sobre o contágio do novo coronavírus. No início, os conteúdos incluíam alegações como a de que a transmissão poderia ocorrer por mosquitos ou de que a vacina da gripe aumentaria em 36% o risco de infecção. Depois, as supostas pesquisas começaram a apontar a ineficácia do isolamento social e da quarentena e dizer que o pico da doença já tinha passado. Nada disso tem qualquer base científica.

Esta coluna foi escrita pela Agência Lupa a partir das bases de dados públicas mantidas pelos projetos CoronaVerificado e LatamChequea Coronavírus, que têm apoio do Google News Initiative, e pela CoronaVirusFacts Alliance, que reúne 88 organizações de checagem em todo mundo. A produção das análises tem o apoio do Instituto Serrapilheira e da Unesco. Veja outras verificações e conheça os parceiros em coronaverificado.news

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