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A geometria é uma linguagem que só os humanos entendem?

Estudo tentou comparar como humanos e babuínos percebem formas geométricas

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Siobhan Roberts
The New York Times

Durante um workshop no outono no Vaticano, Stanislas Dehaene, um neurocientista cognitivo do Collège de France, fez uma apresentação sobre sua pesquisa para entender o que torna os seres humanos tão especiais —para o bem ou para o mal.

Dehaene passou décadas sondando as origens evolucionárias de nosso instinto matemático, que foi o tema de seu livro de 1996, "The Number Sense: How the Mind Creates Mathematics" [O sentido numérico: como a mente cria a matemática]. Ultimamente, ele se concentrou em uma questão relacionada: que tipos de pensamentos, ou computações, são exclusivas do cérebro humano? Parte da resposta, segundo Dehaene, podem ser nossas intuições aparentemente inatas sobre geometria.

Ilustração de formas geométricas e figuras humanas; em um canto há um babuíno
A habilidade de reconhecer formas nos torna especiais, questionam neurocientistas - Yoshi Sodeoka/The New York Times

Organizado pela Academia Pontifícia de Ciências, o workshop no Vaticano abordou o tema "Símbolos, mitos e senso religioso em humanos desde os primeiros" — isto é, desde que os primeiros humanos surgiram, há alguns milhões de anos. Dehaene começou a projeção de slides com uma colagem de fotos mostrando símbolos gravados em rocha — foices, machados, animais, deuses, sóis, estrelas, espirais, zigue-zagues, linhas paralelas, pontos. Algumas das fotos ele tirou durante uma viagem ao Vale das Maravilhas, no sul da França.

Essas gravuras seriam da Idade do Bronze, de aproximadamente 3.300 a.C. a 1.200 a.C.; outras tinham de 70 mil a 540 mil anos. Ele também mostrou uma foto de um implemento de pedra "dupla face" — esférico em uma extremidade, triangular na outra — e comentou que os seres humanos esculpiam ferramentas semelhantes 1,8 milhão de anos atrás.

Para Dehaene, é a inclinação a imaginar — um triângulo, as leis da física, a raiz quadrada de -1 — que capta a essência de ser humano. "O argumento que defendi no Vaticano é que a mesma capacidade está no centro de nossa capacidade para imaginar a religião", lembrou recentemente.

Ele reconheceu, rindo, que não é um salto pequeno de imaginar um triângulo a inventar a religião. (Sua própria trajetória intelectual incluiu um diploma em matemática e um mestrado em ciência da computação, antes de se tornar neurocientista.) No entanto, disse Dehaene, "é isto o que temos de explicar: de repente houve uma explosão de novas ideias com a espécie humana".

Humano ou babuíno?

Na última primavera, Dehaene e seu aluno de doutorado Mathias Sablé-Meyer publicaram, com colaboradores, um estudo que comparou a capacidade dos humanos e dos babuínos de perceber formas geométricas. A equipe se indagou: qual era a tarefa mais simples no campo geométrico — independente de linguagem natural, cultura, educação — que poderia revelar uma diferença de assinatura entre primatas humanos e não humanos? O desafio foi medir não apenas a percepção visual, mas um processo cognitivo mais profundo.

Essa linha de investigação tem uma longa história, mas é eternamente fascinante, segundo Moira Dillon, cientista cognitiva da Universidade de Nova York que colaborou com Dehaene em outra pesquisa. Platão acreditava que os seres humanos eram os únicos sintonizados na geometria; o linguista Noam Chomsky afirmou que a linguagem é uma capacidade humana enraizada biologicamente. Dehaene pretende fazer pela geometria o que Chomsky fez pela linguagem.

"O trabalho de Stan é realmente inovador", disse Dillon, comentando que ele usa ferramentas de última geração, como modelos de computador, pesquisa cruzada entre espécies, inteligência artificial e técnicas de imagens neurológicas funcionais.

No experimento, os sujeitos foram apresentados a seis quadriláteros e solicitados a detectar um que era diferente dos outros. Para todos os participantes humanos — adultos e pequenas crianças da França, assim como adultos da área rural da Namíbia sem instrução formal —, essa tarefa da forma "invasora" era bem mais fácil quando as formas básicas ou a diferente eram regulares, possuindo propriedades como lados paralelos e ângulos retos.

Os pesquisadores chamaram isso de "efeito de regularidade geométrica", e criaram a hipótese — frágil, segundo eles admitem — de que isso poderia oferecer, como comentaram no trabalho, uma "suposta assinatura da singularidade humana".

Com os babuínos, a regularidade não fazia diferença, como descobriu a equipe. Vinte e seis babuínos participaram desse aspecto do estudo, que foi conduzido por Joël Fagot, psicólogo cognitivo da Universidade de Aix-Marselha.

Os babuínos vivem num centro de pesquisa no sul da França, próximo à montanha de Sainte-Victoire (uma favorita do pintor Paul Cézanne), e gostam das cabines de testes e seus equipamentos com telas de toque de 19 polegadas. (Fagot comentou que os babuínos tinham liberdade para entrar na cabine de teste que escolhessem —eram 14— e que eles eram "mantidos em seu grupo social durante os testes".)

Eles dominavam o teste de diferenciação quando treinaram com imagens não geométricas —por exemplo, escolhendo uma maçã entre cinco fatias de melão. Mas quando apresentados a polígonos regulares seu desempenho caiu muito.

"Os resultados são notáveis, e realmente parece haver uma diferença entre a percepção das formas por humanos e babuínos", disse em um e-mail Frans de Waal, primatologista na Universidade Emory (EUA).

"Saber se essa diferença de percepção representa uma 'singularidade' humana teria de aguardar pesquisa sobre nossos parentes primatas mais próximos, os macacos", disse De Waal. "Também é possível, como discutem os autores (e rejeitam), que os humanos vivem num ambiente onde os ângulos retos importam, enquanto os babuínos não."

Investigando mais, os pesquisadores tentaram replicar o desempenho de humanos e babuínos com inteligência artificial, usando modelos de rede neural inspirados em ideias matemáticas básicas do que um neurônio faz e como os neurônios se conectam.

Esses modelos —sistemas estatísticos movidos por vetores de alta dimensão, matrizes que multiplicam camadas e camadas de números— se equipararam com sucesso ao desempenho dos babuínos, mas não ao dos humanos; eles falharam em reproduzir o efeito de regularidade. Entretanto, quando os pesquisadores fizeram um modelo misturado com elementos simbólicos, ele replicou com proximidade o desempenho humano.

Esses resultados, por sua vez, apresentaram um desafio para a inteligência artificial. "Eu adoro o progresso da IA ", disse Dehaene.

"É muito impressionante. Mas acredito que há um aspecto profundo ausente, que é o processamento de símbolos" —isto é, a capacidade de manipular símbolos e conceitos abstratos, como faz o cérebro humano. Esse é o tema de seu último livro, "How We Learn: Why Brains Learn Better Than Any Machine … for Now" [Como aprendemos: por que os cérebros aprendem melhor que qualquer máquina... por enquanto].

Conhecer um triângulo

O matemático francês René Descartes admitiu que "jamais poderíamos conhecer o triângulo geométrico por meio daquele que vemos desenhado no papel se nossa mente não tivesse a ideia dele em outro lugar".

Dehaene e Sablé-Meyer tomam emprestado esse sentimento na epígrafe de um novo estudo, atualmente em revisão, no qual tentam identificar esse "outro lugar" cognitivo — oferecendo teorias e evidências empíricas do que poderia ser "outro lugar".

Aproveitando uma pesquisa originária dos anos 1980, eles propõem uma "linguagem do pensamento" para explicar como as formas geométricas podem estar codificadas na mente. E, num giro adequadamente extenso, eles encontram inspiração nos computadores.

Desenho em parede
Petróglifos na França, uma imagem fornecida por Stanislas Dehaene - Stanislas Dehaene/The New York Times

"Nós afirmamos que quando você olha para uma forma geométrica imediatamente tem um programa mental dela", disse Dehaene. "Você a compreende, desde que tenha um programa para reproduzi-la." Em termos computacionais, isso se chama indução de programa. "Não é banal", disse ele. "É um grande problema na inteligência artificial — induzir um programa a fazer certa coisa a partir de seu input e output. Nesse caso, é apenas um output, que é o desenho da forma."

A linguagem é muitas vezes considerada a qualidade que demarca a singularidade humana, notou Dehaene, mas talvez haja algo mais básico, mais fundamental.

"Estamos propondo que existem linguagens — múltiplas linguagens — e que na verdade a linguagem talvez não tenha começado como um instrumento de comunicação, mas realmente como um dispositivo de representação, a capacidade de representar fatos sobre o mundo exterior", disse ele. "É isso que queremos descobrir."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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