Descrição de chapéu The New York Times

Escavação no fundo do mar recupera cabeça de Hércules

Uma estátua do semideus da força estava deitada no leito do mar Egeu; ou uma parte, pelo menos

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April Rubin
The New York Times

Reza a lenda que Hércules teve que completar 12 trabalhos heroicos para ser absolvido de culpa e tornar-se imortal. Uma descoberta recente retoma a história muito depois do ponto em que os relatos da antiguidade grega e romana concluíram, para nos contar uma nova versão de sua vida após a morte.

Uma estátua do semideus da força —que, segundo a mitologia, teria estrangulado um leão, decapitado uma serpente submarina de nove cabeças e capturado um javali devorador de homens, entre outras façanhas— estava deitada no leito do mar Egeu. Ou sua cabeça, pelo menos, estava.

Recente exploração de um naufrágio na costa da Grécia levou à descoberta de uma cabeça de mármore que os pesquisadores acreditam pertencer a uma estátua de Hércules da Roma antiga - Swiss School of Archaeology/Hellenic Ministry of Culture and Sports

Uma equipe de especialistas que examinou os restos de um navio naufragado ao largo da costa da Grécia, num trabalho de escavação arqueológica realizado entre 23 de maio e 15 de junho, recuperou o que pesquisadores acreditam ser a cabeça de mármore de uma estátua de Hércules da antiguidade romana, de cerca de 2.000 anos atrás.

As descobertas feitas no local do naufrágio em Anticítera incluíram partes de estátuas de mármore, dentes humanos e pregos de bronze e ferro, disse Lorenz E. Baumer, professor de arqueologia na Universidade de Genebra e um dos pesquisadores chefes do projeto. Foi a segunda temporada de escavações de um programa de cinco anos liderado pela Escola Suíça de Arqueologia na Grécia, que visa levar adiante as pesquisas no sítio descoberto no início do século 20 por mergulhadores gregos à procura de esponjas.

"Dois mil anos é um tempo muito longo, mas se pensarmos em termos de gerações de 25 anos cada, são 80 gerações", disse Baumer. "Isso é pertinho."

Segundo ele, a ligação com uma civilização antiga fascina pesquisadores: "É isso que é tão fascinante na arqueologia. Você entra em contato direto com pessoas".

A descoberta do sítio foi acidental. Anticítera é uma ilha situada entre a Grécia continental e Creta; seu nome alude à sua localização, ao sul da ilha de Cítera. Os mergulhadores gregos que mais de um século atrás encontraram o navio naufragado estavam catando esponjas e pensaram inicialmente haver encontrado restos humanos no fundo do mar. Mas, segundo Baumer, perceberam mais tarde que haviam descoberto pedaços de esculturas.

Desde então o sítio de Anticítera tem rendido objetos que proporcionam uma visão da história, economia, tecnologia e arte da antiguidade romana. Pesquisadores especulam que um artefato descoberto anteriormente no local e que recebeu o nome da ilha pode ter sido usado para navegação e cálculos astronômicos; chegou a ser descrito por alguns pesquisadores como o "primeiro computador".

Chegar até esses objetos vem sendo uma tarefa hercúlea.

Visto como uma das maiores descobertas desse tipo, o navio naufragado em Anticítera estava escondido sob pedras enormes que pesam até 8,5 toneladas cada e que teriam se assentado ali durante um terremoto ocorrido em algum momento após o naufrágio, mas não muito tempo depois, tanto que elas ajudaram a preservar os artefatos. Cordas presas a bolsas de ar pressurizado, como balões submarinos, foram usadas para elevar as pedras e expor partes dos destroços antes bloqueados.

Ali estava escondida a cabeça gigante que se acredita representar o herói mítico, como se ele tivesse sido abatido pela maldição da deusa ciumenta Hera, que teria tornado a vida de Hércules difícil desde que ele nasceu.

Com duas vezes o tamanho natural de uma cabeça humana, a cabeça é de uma figura masculina barbada e está recoberta de depósitos marinhos que estão sendo removidos para possibilitar a restauração do artefato. Segundo Baumer, é provável que a cabeça complete outra estátua antiga, esta encontrada em 1900, "Héracles de Anticítera", que está acéfala no Museu Arqueológico Nacional de Atenas. (Héracles é o nome grego de Hércules.)

Quatro horas antes de os mergulhadores encontrarem a cabeça de mármore, Baumer deixou o sítio para voltar a Atenas. Ele e uma colega pararam o carro para olhar imagens da escultura.

Baumer vibrou não apenas com a emoção da descoberta, mas com sua importância para as pesquisas futuras. O fato de saber a localização do ponto onde o artefato foi encontrado dá a exploradores uma ideia melhor do layout dos destroços do navio, porque, segundo Baumer, os escavadores anteriores não documentaram onde descobriram o corpo da estátua.

"Especialistas estão usando mapeamento 3D para documentar digitalmente a aparência dos destroços antes de serem removidos quaisquer artefatos", disse Elisa Costa, pesquisadora pós-doutoranda da Universidade de Veneza que participa das pesquisas. Seu mapeamento captou cada camada que foi descoberta à medida que as pedras foram elevadas, e ela disse que vai continuar a documentar o espaço em volta do sítio, que membros de sua equipe acreditam que pode ajudar a lançar luz sobre o naufrágio.

"É tremendamente instigante fazer parte deste importante projeto de escavação que começou 120 anos atrás", disse Costa. "É realmente incrível."

A fabricante de relógios suíça Hublot criou especificamente para este projeto o sistema de balões que elevou as pedras submersas. Para a escavação de 2023, a empresa está criando robôs que poderão fazer parte do trabalho dos mergulhadores, disse Baumer, deixando os mergulhadores humanos livres para fazer mais trabalho analítico.

Devido à profundidade em que exploram, os mergulhadores só podem passar 30 minutos perto dos destroços (após uma descida que leva 15 minutos), antes de precisar subir lentamente outra vez para respirar. Baumer explicou que a pressão da água impõe cinco vezes mais resistência sobre os movimentos dos mergulhadores do que as pessoas sentem em terra. Por medida de segurança, os mergulhadores nunca mergulham sozinhos.

"Cada objeto retirado do navio naufragado em Anticítera será estudado, num esforço para reconstituir a história da tripulação e da embarcação", disse Carlo Beltrame, professor de arqueologia na Universidade de Veneza. Como arqueólogo marítimo, ele vai usar as descobertas para calcular o tipo de navio que afundou e sua rota provável.

Parte de seu papel é estudar as condições sociais e econômicas da época, por volta de 60 a.C. E ele já tem perguntas a colocar.

"Que tipo de embarcação era?", disse Beltrame. "Quais foram os aspectos do tráfego dela? Como era a vida a bordo dela?"

Detalhes como o tamanho das pranchas de madeira usadas para construir o navio levaram Beltrame a postular que era provavelmente uma embarcação grande. Dentes encontrados no meio dos destroços podem apresentar os pesquisadores às pessoas que teriam estado no navio. Se foram encontrados ossadas ou outros restos humanos, elas podem ajudar a determinar o gênero e as idades dos passageiros e tripulantes.

Brendan Foley é professor de arqueologia na Universidade Lund, na Suécia, e ex-pesquisador no sítio de Anticítera. Ele disse que é possível que haja mais esculturas em tamanho natural entre os destroços e calcula que o naufrágio ocorreu por volta do ano 65 a.C., "quando este navio enorme teria se chocado com o penhasco e afundado sobre a encosta íngreme". Foley disse que previu a existência de alguns dos tesouros arqueológicos descobertos mais recentemente, incluindo a cabeça de "Héracles", a partir de outras descobertas feitas em 2017.

Na virada do século 20, mergulhadores encontraram seis ponteiros de bronze e um fragmento do que viria a ser conhecido como o mecanismo de Anticítera. Em 2017 eles encontraram um sétimo ponteiro e outro pedaço do mecanismo, que eles acreditam que pode ter sido usado para calcular movimentos astronômicos.

Ao término do projeto, em 2025, os pesquisadores pretendem publicar suas descobertas no "Retorno a Anticítera". Mas eles acreditam que ainda haverá mais objetos a ser encontrados no navio naufragado. É possível que mais seres míticos ocultos nas profundezas marinhas ainda aguardem o momento de suas histórias serem contadas.

Tradução de Clara Allain.

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