Descrição de chapéu The New York Times

Bombardeado com luz, Hubble se vê sob ameaça de satélites da SpaceX

Estudo mostra que mais imagens feitas pelo telescópio estão sendo estragadas

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Shannon Hall
The New York Times

O Telescópio Espacial Hubble, conhecido por registrar imagens inspiradoras do cosmos enquanto avança no campo da astronomia, está sob ameaça.

Empresas privadas lançaram ao espaço milhares de satélites que estão bombardeando o telescópio com luz, produzindo longas listras brilhantes e curvas que podem ser impossíveis de remover. E o problema só piora.

Um estudo, publicado na última quinta (2) na revista Nature Astronomy, revela um aumento na quantidade de imagens registradas pelo Hubble que foram estragadas por satélites de passagem. E os dados vão apenas até 2021.

Milhares de satélites foram lançados desde então pela SpaceX e por outras empresas, e muitos mais deverão entrar em órbita nos próximos anos, afetando o Hubble e potencialmente outros telescópios espaciais.

Uma trilha de satélite brilhante, próxima e fora de foco capturada pelo Telescópio Espacial Hubble; os cientistas descobriram que um número crescente de fotos feitas pelo icônico observatório orbital está sendo interrompido por satélites que passam - Nasa, ESA, Kruk ET AL/NYT

"Vamos conviver com esse problema. E a astronomia será impactada", disse Jonathan McDowell, astrônomo do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, que não participou do estudo. "Alguns experimentos não poderão ser feitos. Haverá ciência que custará significativamente mais caro. Haverá coisas que não veremos."

O legado do Telescópio Espacial Hubble é incomensurável. Por causa do observatório, hoje sabemos, por exemplo, que o universo tem 13,8 bilhões de anos, que a maioria das galáxias contém um buraco negro supermaciço em seu centro e que as estrelas se formam em processos violentos. As imagens do Hubble –incluindo as lindas nuvens de gás e poeira nos "pilares da criação" e a visão de quase 10 mil galáxias no "campo ultraprofundo do Hubble"– são sempre inspiradoras.

Mas o número de satélites em órbita aumentou significativamente desde que o Hubble foi lançado, em 1990, e agora ele observa o cosmos através de um campo de satélites.

Em maio de 2019, a SpaceX lançou seu primeiro lote de satélites Starlink, projetados para transmitir sinais de internet por todo o mundo. Logo depois, houve uma reação de astrônomos preocupados com o fato de as estrias do Starlink ameaçarem diversas campanhas para se observar o universo a partir de telescópios na Terra.

Em resposta, Elon Musk, fundador e CEO da SpaceX, sugeriu que os astrônomos contornassem o problema levando os telescópios para a órbita.

Mas o Hubble, que vive na órbita baixa da Terra, a cerca de 536 km acima da superfície do planeta, na verdade está a menos de 16 km abaixo da maioria dos satélites Starlink. Isso significa que o observatório e outros telescópios espaciais orbitais ainda enfrentam interferência das constelações de satélites. "Você não apenas precisa colocar seus telescópios no espaço, mas também colocá-los acima de todo o outro tráfego", disse McDowell.

"Acho que seremos obrigados a fazer isso nas próximas décadas", disse ele. Mas ainda não é possível para os telescópios atuais em órbita baixa da Terra ou as espaçonaves que os governos estão construindo para lançar nos próximos anos.

Para quantificar o efeito das constelações de satélites no Hubble, Sandor Kruk, astrônomo do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre na Alemanha, e seus colegas analisaram um arquivo de imagens feitas de 2002 a 2021.

Eles tiveram a ajuda de centenas de cientistas cidadãos que se debruçaram sobre as imagens para marcar aquelas com claras listras de satélites. Esse conjunto de dados foi então usado como treinamento para um algoritmo de aprendizado de máquina que analisou mais de 100 mil fotos individuais do Hubble.

Seus resultados mostram que a chance de ver um satélite numa imagem do Hubble de 2009 a 2020 é de apenas 3,7%. Mas a chance de ver um em 2021 é de 5,9% –aumento que, segundo eles, corresponde ao Starlink. Até a data da análise, havia 1.562 satélites Starlink em órbita. Outra empresa, a OneWeb, tinha instalado 320 satélites.

Mark McCaughrean, astrônomo da Agência Espacial Europeia e coautor do novo estudo, está confiante em sua análise, mas observa que essa é apenas uma questão menor no momento. Normalmente, o Hubble tira várias imagens que são empilhadas umas sobre as outras, técnica que apaga todos os satélites.

E a Nasa concorda. "Embora essas análises possam mostrar um aumento gradual nos rastros de satélite detectados ao longo do tempo, a maioria dessas listras é rapidamente removida usando técnicas padrão de redução de dados, e a maioria das imagens afetadas ainda pode ser útil", disse um porta-voz em relação ao estudo mais recente. "Atualmente, os rastros de satélites não representam uma ameaça significativa à eficiência científica e à análise de dados do Hubble."

Essa ameaça é maior quando o Hubble examina uma grande faixa do céu. Então consegue tirar apenas uma ou duas fotos antes de redirecionar sua câmera. Se um satélite fotobombardear uma dessas imagens, ela pode ter que ser descartada.

Um porta-voz da SpaceX se recusou a comentar o novo estudo, mas apontou os esforços anteriores da empresa para mitigar os efeitos do Starlink. A empresa tentou diversos métodos para escurecer seus satélites, incluindo uma película espelhada projetada para direcionar a luz para longe do solo. Mas Meg Schwamb, cientista planetária da Queen's University em Belfast, que não participou do estudo, teme que a luz seja direcionada para cima e possa piorar a situação dos telescópios espaciais.

Existem muitas incógnitas no momento, incluindo o número real de satélites.

A SpaceX espera eventualmente expandir o tamanho de sua frota para 42 mil satélites Starlink. Muitas outras empresas também estão no mercado: a Amazon, a provedora britânica de satélites OneWeb, uma empresa chinesa chamada Galaxy Space e até governos. Ao todo, 431.713 satélites têm lançamento planejado para os próximos anos.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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