Estudos confirmam sucesso de estratégia da Nasa para desviar asteroide com 'bicuda'

Artigos publicados na Nature revelam como a sonda Dart alterou órbita de bólido celeste

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São Paulo

Em uma batelada de cinco artigos científicos publicados na edição desta semana da revista Nature, pesquisadores espalhados pelo mundo acabam de analisar e reconstruir o que aconteceu quando a sonda Dart, da Nasa, colidiu com um asteroide a fim de desviá-lo de seu curso natural —no primeiro teste prático de defesa planetária, para o caso de um dia precisarmos de fato desviar um desses bólidos celestes.

Para começo de conversa, e como previamente anunciado pela agência espacial americana, a Dart (sigla inglesa para Teste de Redirecionamento de Asteroide Duplo) obteve um efeito bem maior do que o mínimo esperado quando, em 26 de setembro do ano passado, colidiu com Dimorfo, a pequena lua de Dídimo (estamos falando de um asteroide girando em torno de outro, daí o nome da sonda).

O asteroide Dimorfo antes de ser atingido pela sonda Dart - Nasa/Johns Hopkins/Reuters

Se todo o impulso trazido pela Dart fosse perfeitamente transferido ao Dimorfo no momento do impacto no que os cientistas chamam de uma colisão perfeitamente inelástica (ou seja, em que ninguém se deforma no processo), seu período orbital após a colisão seria alterado em sete minutos.

O que Cristina Thomas, da Universidade do Norte do Arizona (EUA), e seus colegas reportaram no primeiro dos artigos, contudo, foi uma mudança muito maior: 33 minutos (com margem de erro de um minuto e confiança de 3-sigma, o equivalente a 99,7%).

O resultado bate com as contas preliminares apresentadas pela Nasa em outubro, que indicavam alteração de cerca de 32 minutos.

O cálculo reflete dois métodos diferentes: o monitoramento de "eclipses" sucessivos de Dimorfo passando sob a sombra de Dídimo (o que reflete uma redução de brilho, já que não é possível da Terra distinguir os dois objetos com telescópios) e a observação por radar (que permite monitorar de forma razoável a posição relativa dos dois). O resultado foi o mesmo nos dois casos.

E isso, claro, é uma boa notícia. O efeito ainda maior do que o esperado confirmou a ampla viabilidade dessa estratégia de impacto cinético para deflexão de asteroides —simplesmente dar uma pancada para desviá-lo de seu curso. E, mais que isso, permitiu pela primeira vez aos cientistas entender como exatamente o processo se daria.

O segundo artigo da lista é liderado por Ronald Terik Daly, do APL-JHU (Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins), instituto responsável pelo gerenciamento da missão, e reconstrói o passo a passo das manobras que levaram à colisão e o local exato em que a sonda colidiu em Dimorfo —o que nem tinha como ser sabido antes que ela se aproximasse e pudesse se guiar com precisão para o impacto, mandando fotos de seu alvo até o momento do vaporizante encontro.

A Dart só conseguiu "enxergar" Dimorfo como um objeto separado 73 minutos antes da colisão, e as manobras definidas pelo computador de bordo para o impacto bem-sucedido só começaram a ser implementadas 50 minutos antes. Faltando dois minutos e meio para a pancada, ela seguiu por inércia, enviando imagens inteiras a até 1,8 segundo antes do fim (revelando detalhes de 5,5 cm por pixel). Uma derradeira foto parcial foi colhida 0,855 segundo antes do impacto, revelando detalhes na superfície com 2,6 cm por pixel.

Os resultados permitiram estimar o tamanho do asteroide em 151 metros (mais ou menos 5). O impacto ocorreu bem "no meio" dele, entre duas grandes rochas, a um ângulo de 73 graus (mais ou menos 7) com relação ao horizonte local, a uma velocidade de 6,14 km/s (traduzindo para uma unidade mais típica do dia a dia, 22,1 mil km/h). Não foi um chute de três dedos; foi uma bicuda.

Quando a colisão ocorreu, foi tudo menos "inelástica". Uma enorme quantidade de detritos foi ejetada para longe do asteroide, como se esperaria de um objeto pouco coeso, feito de várias pedrinhas mantidas reunidas fracamente pela débil gravidade do astro. E a pluma de detritos produzida, transformando o astro em um "asteroide ativo", foi o principal tema do terceiro estudo publicado, liderado por Jian-Yang Li, do Instituto de Ciência Planetária, em Tucson, Arizona (EUA).

Usando o Telescópio Espacial Hubble, a equipe analisou a "coma" formada pelo impacto, de início dominada pela gravidade do sistema, mas depois influenciada pela pressão da radiação solar para formar uma "cauda" de poeira, similar à dos cometas. Os resultados são valiosos para a compreensão de outros asteroides que passam por situação similar, derivada de impactos não com espaçonaves, mas com outros asteroides.

Com espírito similar, o grupo liderado por Ariel Graykowski, do Instituto Seti, em Mountain View, Califórnia, trouxe resultados obtidos por telescópios amadores espalhados pelo mundo, dentre eles três na ilha Réunion (localizada no oceano Índico e propriedade da França) e um em Nairóbi, no Quênia, que flagraram o flash do exato momento do impacto. Os dados permitiram estimar a massa e a energia da poeira levantada pelo impacto, bem como sua evolução, o que ajudará a entender o desfecho de outras missões de impacto.

Por fim, artigo liderado por Andrew Cheng, também do APL-JHU, fez uma análise dos efeitos dinâmicos do impacto, que reduziram a velocidade orbital do Dimorfo em 2,7 mm/s (produzindo a alteração de período medida), muito mais do que o que seria esperado pelo impacto apenas, indicando que o ricocheteio de material ejetado pela pancada foi responsável por boa parte da mudança de velocidade e trajetória, que amplificou o resultado entre 2 e 5 vezes. "Portanto, o impacto cinético da Dart foi altamente efetivo em defletir o asteroide Dimorfo."

No geral, só excelentes notícias para o caso de um dia precisarmos "olhar para cima", quando for descoberto um asteroide em rota de colisão conosco. Os que têm um quilômetro ou mais (aqueles que podem acabar com a civilização) já foram praticamente todos descobertos, e nenhum tem nosso nome nele, por assim dizer. Mas ainda há muitos objetos menores, com tamanho parecido com o do Dimorfo, que seguem desconhecidos e seriam capazes de imensos estragos. Cabe aos astrônomos seguir à procura deles para afastar de vez o risco de sermos vítimas dessa catástrofe natural.

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