Descrição de chapéu genética

Chances de trazer mamute e dodô de volta à vida são baixas, segundo cientistas

Startup Colossal Biosciences tem planos de recriar as espécies; lobo-da-tasmânia é outro alvo

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São Paulo

É possível trazer espécies extintas de volta à vida?

A pergunta, que soaria como ficção científica há algumas décadas, está cada vez mais próxima da realidade devido ao avanço nos últimos anos de técnicas de edição de DNA e manipulação de embriões em laboratório.

A empresa americana Colossal Biosciences anunciou, em 2021, o desejo de reintroduzir nas estepes de tundra da Sibéria e do Alasca o mamute lanoso (Mammuthus primigenius) que se extinguiu há 10 mil anos, na última Era Glacial. E conseguiu um esforço considerável para isso: cerca de US$ 15 milhões (ou aproximadamente R$ 78 milhões).

Réplica de mamute no Museu Field, em Chicago, nos Estados Unidos
Réplica de mamute no Museu Field, em Chicago, nos Estados Unidos. Lyuba, como é chamada a pequena fêmea, tinha cerca de um mês de vida quando morreu afogada num rio de leito lodoso há 40 mil anos - Mira Oberman/AFP

A técnica para "desextinguir" o mamute consiste em fazer a reconstrução de seu DNA com base em fragmentos obtidos nos fósseis congelados e preencher os espaços do genoma com material genético do elefante-asiático (Elephas maximus). O DNA seria então introduzido em células embrionárias deste animal e o embrião, implantado no útero de uma elefanta. Até o momento, porém, nenhum filhote foi viável.

Agora, a mesma empresa anunciou que quer trazer de volta o dodô (Raphus cucullatus), uma ave que não voa gigante originária das Ilhas Maurício, no oceano Índico, e que foi vista pela última vez em 1662.

O processo de "desextinção" do dodô combinará células primordiais germinativas de pombo com o DNA do dodô recuperado de exemplares presentes em coleções científicas. As células modificadas seriam então introduzidas em um ovo não fecundado onde cresceria o filhote de "dodô-pombo".

Para o ornitólogo Luís Fábio Silveira, professor do Museu de Zoologia da USP, isso é extremamente improvável de dar certo. "É muito difícil realizar esse procedimento e, além de ter as barreiras do próprio organismo, ninguém nunca viu um ovo de dodô, não temos ideia de qual o seu tamanho."

Silveira lembra que mesmo se houver sucesso em cruzar essa fronteira, o animal nunca será um dodô de fato. "Obviamente você vai ter um animal que não é um dodô, ou um animal que não é um mamute, mas que são híbridos. O que é legal, porém, é ver o salto de inteligência e investimento tecnológico, principalmente com manipulação genética, que serão muito interessantes."

Segundo Beth Shapiro, paleogeneticista contratada pela empresa para tocar o projeto do dodô, ainda estão sendo realizados testes para conseguir obter essas células primordiais, mas "a versão final do dodô irá eclodir do pombo geneticamente modificado para ser do tamanho de um dodô, e os ovos serão assim de tamanho adequado".

Em resposta enviada à reportagem, Ben Lamm, um dos cofundadores da empresa, disse que a missão da empresa é reintroduzir na natureza as espécies produzidas no processo de "desextinção" de volta ao seu habitat natural.

Segundo ele, o mamute é importante por ser uma espécie "crítica para o combate dos efeitos das mudanças climáticas", enquanto o dodô é "emblemático porque representa uma espécie que desapareceu devido às mudanças provocadas em seu habitat pelo homem".

Lamm afirmou ainda que os avanços da empresa no processo de "desextinção" podem representar novas ferramentas para corrigir o processo de extinção em algumas circunstâncias.

O CEO da empresa disse também que os avanços tecnológicos em embriologia e manipulação genética podem ajudar na conservação de espécies viventes, como o elefante-asiático, e possíveis aplicações no futuro podem ser feitas para saúde e doenças humanas.

Embora pareça funcionar na teoria, na prática a "desextinção" é criticada por especialistas, que dizem ver no projeto mais publicidade do que ciência de fato.

"São espécies icônicas que carregam um fardo dessa extinção causada pelo homem [no caso do dodô], então é uma tentativa de atrair investimentos", afirma Taissa Rodrigues, paleontóloga e professora da Universidade Federal do Espírito Santo. "O que acredito ser mais provável é utilizar essa nova tecnologia para salvar as espécies que estão hoje em dia em risco de extinção."

Esqueleto e modelo de dodô no Museu de História Natural da Universidade de Oxford, feito em 1998 com base em pesquisas modernas - FunkMonk Bazza Ramble/Wikimedia Commons

Um dos pontos levantados é que os animais extintos não dispõem mais de seus habitats naturais (no caso do mamute) ou então sofrerão modificações intensas que os farão parecer com a espécie, mas não serão exatamente iguais ao da espécie natural.

Um argumento para a recriação do mamute divulgado em um vídeo da Colossal é que a "desextinção" pode ajudar a conter o aquecimento global: o permafrost, camada de gelo que recobre a tundra siberiana, sofre com o derretimento por causa do aquecimento global, liberando mais gás metano na atmosfera.

Os mamutes antes ajudavam no controle dessa temperatura por meio do consumo da vegetação e também pelo condensamento do pasto, mantendo a temperatura abaixo de -40°C. "Mas isso é muito mais utópico do que de fato realidade", avalia Rodrigues.

Outro ponto crítico é que os mamutes são animais altamente sociais, assim como os elefantes, e dependem de interações ecológicas que não são possíveis de criar em laboratório.

"Mesmo que o procedimento seja viável, não temos como saber se aqueles comportamentos que são aprendidos pelos filhotes vão estar lá", reflete o ecólogo Gustavo Burin, pós-doutorando do Museu de História Natural de Londres.

Burin também questiona quanto o processo de extinção, que é natural, pode sofrer interferência, positiva ou negativa, da atividade humana. "O tempo desde a extinção daquela espécie já levou a uma nova adaptação daquela comunidade ou ecossistema. E aí reintroduzir a espécie pode provocar uma mudança na organização daquele habitat com uma espécie que não existe mais."

Há alguns indícios de que os mamutes eram caçados por humanos, mas o fim da Era Glacial acabou provocando efeitos no clima que não possibilitaram a sua existência em diversos locais do mundo.

No caso do dodô, a empresa conseguiu mais de US$ 150 milhões (cerca de R$ 777 milhões) para resgatar uma ave que pode ter sido extinta diretamente por ação humana, pela caça, ou indiretamente, pela introdução de espécies exóticas na ilha e modificação do ecossistema.

Embora existam poucos relatos científicos de como o dodô era em vida, já que foi visto principalmente por marinheiros, acredita-se que a falta de predadores naturais na ilha tenha levado esses animais a serem mais "dóceis". Mas mesmo características sobre comportamento social e biologia desses animais são escassas, avalia Silveira.

Para Rodrigues, um exemplo de um animal que pode ser mais bem-sucedido na "desextinção" é o lobo-da-tasmânia (também chamado tigre da Tasmânia ou tilacino), visto pela última vez em um zoológico em 1936. Original da Austrália, esse marsupial foi também extinto pela caça.

Lobo-da-tasmânia em foto de um cartão-postal no zoológico em Hobart, na Tasmânia - Harry Burrell/Wikimedia

"O tigre da Tasmânia é mais interessante [trazer de volta] porque existe documentação de comportamento dele em cativeiro, além de ter DNA suficiente de indivíduos em museus. E o habitat dele continua existindo."

Silveira concorda. "Sabemos que o tilacino foi extinto por caça predatória, e essas técnicas podem ajudar inclusive a melhorar variabilidade genética e manipulação em laboratório para estudos de reprodução com mamíferos e aves em extinção."

De todo modo, trazer espécies extintas de volta à vida pode ser um esforço consideravelmente maior do que o de conservar as espécies atuais que estão em risco de extinção.

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