Descrição de chapéu The New York Times

As joias que os antigos romanos perderam pelo ralo

Arqueólogos recuperaram um tesouro de pedras de anéis caídas e esquecidas numa casa de banhos de 1.800 anos na Inglaterra

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Franz Lidz
The New York Times

Foi no ralo que arqueólogos britânicos descobriram recentemente 36 pedras semipreciosas artisticamente gravadas, numa antiga casa de banhos no local de um forte romano perto da Muralha de Adriano em Carlisle, na Inglaterra (Reino Unido). Os entalhes coloridos –gemas gravadas– provavelmente caíram de anéis de sinete usados por ricos banhistas do século 3º e acabaram presos nos ralos de pedra.

Os delicados entalhes, feitos de ametista, jaspe e cornalina, variam em diâmetro de 5 a 16 milímetros –maiores que uma borracha de lápis, menores que uma moeda de dez centavos de dólar. Alguns trazem imagens de Apolo, Marte, Bonus Eventus e outras divindades romanas que simbolizavam a guerra ou a boa sorte. Outros exibem Ceres, a deusa da fertilidade, o Sol e Mercúrio (comércio). Uma ametista representa Vênus segurando uma flor ou um espelho. Um jaspe marrom-avermelhado apresenta um sátiro sentado nas rochas ao lado de um pilar.

Alguns dos entalhes recuperados da antiga casa de banhos romana sendo escavados no Carlisle Cricket Club, na Inglaterra. Todos são menores do que um centavo
Alguns dos entalhes recuperados da antiga casa de banhos romana sendo escavados no Carlisle Cricket Club, na Inglaterra. Todos são menores do que um centavo - Anna Giecco

Como e por que essas pedras foram perdidas é tema de certa discussão entre os classicistas. Após seis anos de trabalho de detetive arqueológico que forneceu uma visão tentadora da Britânia romana, Frank Giecco, diretor técnico do projeto de Carlisle, acredita que ele e sua equipe resolveram o mistério.

Historicamente, dois tipos de gemas gravadas eram montados em anéis: entalhes, em que os desenhos são gravados como uma depressão na superfície da gema; e camafeus, com desenhos que se projetam do fundo, imagens em alto relevo.

A tradição dos entalhes remonta ao período sumério na Mesopotâmia, onde as figuras eram escavadas à mão em pedras macias. Por volta de 3400 a.C., selos planos e cilíndricos eram pressionados e impressos em argila úmida.

Estes tornaram-se populares na Grécia minoica e micênica, na Pérsia, no Egito e em Roma, onde viraram objetos de moda; o estadista Cícero observou que as pessoas usavam retratos de seus filósofos favoritos em seus anéis, tradição que não sobreviveu nas lojas eletrônicas de hoje.

AO BALNEÁRIO

A escavação no Clube de Críquete Carlisle começou em 2017 e rapidamente revelou uma casa de banhos que "tinha uma escala verdadeiramente colossal", disse Giecco.

O balneário foi construído ao longo do rio Eden e perto do forte romano de Uxelodunum, também conhecido como Petriana, que estava situado em segurança atrás da Muralha de Adriano, a fronteira norte do império. Adriano, o imperador romano, ordenou a construção do muro em 122 d.C. para afastar as tribos caledônias.

Estacionado em Uxelodunum —hoje um próspero subúrbio— estava a Ala Petriana, um grande regimento de cavalaria de elite. Um importante assentamento civil —mais tarde Luguvalium, ou Carlisle Romana— cresceu logo ao sul.

Ceres, gravada em jaspe vermelho, veste uma túnica com cinto e segura um cetro na mão esquerda
Ceres, gravada em jaspe vermelho, veste uma túnica com cinto e segura um cetro na mão esquerda - Anna Giecco

O edifício principal da casa de banhos, construído por volta de 210 d.C., tinha paredes de arenito com 1 metro de espessura. Os banhos foram reconstruídos no século 4o e ainda estavam em uso no século 5o; algumas partes foram posteriormente reconstruídas em madeira e talvez ainda estivessem de pé no século 12, quando o local foi escavado para a extração de pedra para construção.

A região permaneceu estratégica. "Encontramos evidências dos cercos de Carlisle em 1645 e 1745 durante a Guerra Civil inglesa e a Rebelião Jacobita", disse Giecco. No início do século 20, o local foi transformado em quadras de tênis.

CUIDADO COM SEUS OBJETOS DE VALOR

Ao entrar na casa de banhos no século 3º, a primeira parada era o "apodyterium", ou vestiário, onde a pessoa tirava tudo menos as sandálias de banho, necessárias para proteger os pés do piso aquecido. Os patronos prósperos tinham escravos para guardar seus pertences; os banhistas mais pobres pagavam aos atendentes.

Alguns podem ter levado suas bugigangas às piscinas para evitar que os objetos de valor fossem roubados. "Os banhistas conheciam o risco de as gemas caírem", disse Giecco. "Mas o roubo dos armários era tão grande que eles mantinham objetos de valor com eles, de qualquer modo."

Se um ladrão fugisse com suas joias, você poderia pedir justiça aos deuses, por meio de uma placa de maldição: um sacerdote rabiscaria uma mensagem, às vezes ao contrário ou em código, numa placa de chumbo ou outro metal, e então a lançaria nas águas minerais.

Em 1979 e 1980, uma grande quantidade de tabuletas de maldição foi recuperada das fontes termais de Aquae Sulis —hoje Bath, na Inglaterra—, muitas delas listando o delito, os supostos infratores e a punição sugerida. "Que aquele que levou Vilbia de mim seja tão líquido quanto a água", diz uma maldição.

Vênus, gravada em ametista, segura uma folha de palmeira e uma flor ou espelho
Vênus, gravada em ametista, segura uma folha de palmeira e uma flor ou espelho - Anna Giecco

DESCOLANDO

As joias de Carlisle foram encontradas junto com mais de 700 itens, incluindo 105 contas de vidro, cerâmicas, armas, moedas, figuras de barro, ossos de animais, azulejos estampados com a marca imperial e cerca de cem grampos de cabelo. Descobertas semelhantes foram feitas durante a escavação de casas de banho em Cesareia, em Israel, e em Bath.

A presença de grampos de cabelo sugere que os donos das gemas provavelmente eram do sexo feminino, disse Giecco. E os mergulhos nos banhos podem ter afrouxado os adesivos das joias, como a resina de casca de bétula, e causado a expansão e contração das armações de metal. No ambiente úmido, a elite romana pode ter saído de seus banhos de lazer sem adornos. As pedras provavelmente eram jogadas nos ralos quando as piscinas e saunas eram limpas.

"Os banhistas podem nem ter notado até chegarem em casa. Vão-se os anéis, ficam os dedos", disse Giecco.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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