Descrição de chapéu
dinossauro Europa

Mobilização por dino brasileiro na Alemanha inaugurou era de negociações

Repatriação de pterossauro que estava na Bélgica vem na esteira do caso Ubirajara jubatus, fóssil que museu alemão se recusa a devolver

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Giuliana Miranda
Giuliana Miranda

Jornalista luso-carioca, é radicada em Lisboa desde 2014. É mestre em ciência política e relações internacionais pela Universidade Católica Portuguesa. Atual presidente da Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal e uma das comentaristas do programa “Invasões Bárbaras”, da SIC Notícias. Começou na Folha em 2010 e já foi repórter de Ciência e Saúde e da Agência Folha

Lisboa

As negociações que levaram a Bélgica a devolver ao Brasil um valioso crânio de pterossauro são reflexo da mobilização inédita da comunidade científica nacional contra a saída ilegal de fósseis do país.

​Fontes diretamente ligadas à transação, que demorou cerca de um ano até ser concretizada, afirmam que o desfecho do caso foi bastante influenciado pela atenção internacional espoletada pela campanha para a repatriação do Ubirajara jubatus, o exótico dinossauro brasileiro que a Alemanha se recusa a devolver.

A negociação com os belgas também marcou um ponto de inflexão da postura da diplomacia brasileira sobre o tema, com os representantes do Itamaraty adotando um tom bem mais duro nas conversas.

Concepção artística do dinossauro brasileiro Ubirajara jubatus
Concepção artística do dinossauro brasileiro Ubirajara jubatus - Concepção artística de Bob Nicholls/Paleocreations.com 2020

Um dos argumentos do lado brasileiro foi justamente o pesado dano reputacional ilustrado no caso do Ubirajara jubatus e da campanha #UbirajaraBelongsBR (Ubirajara pertence ao Brasil), que colocou a Alemanha e o Museu de História Natural de Karlsruhe como alvo de críticas internacionais.

Os diplomatas também sinalizaram com a possibilidade de responsabilização legal do "colecionador privado" que forneceu o fóssil de pterossauro para o Instituto Real de Ciências Naturais da Bélgica.

O recurso à figura de um colecionador independente é um conhecido expediente usado por museus e universidades do exterior para comprarem livremente fósseis brasileiros, cuja venda é terminantemente vedada pela legislação nacional.

Outra justificativa corriqueira para a manutenção de fósseis brasileiros no exterior é a afirmação de que o material teria sido coletado antes de 1942, quando a legislação passou a ditar que eles fazem parte do patrimônio da União.

A negociação para a repatriação do crânio do pterossauro, conduzida pela Embaixada do Brasil em Bruxelas, mostra cada vez menos disposição para aceitação desse tipo de discurso, tanto na diplomacia quanto entre os próprios cientistas.

O tráfico de fósseis é um antigo e conhecido problema para os paleontólogos brasileiros, que muitas vezes são obrigados a viajar para a Europa ou para os Estados Unidos para conseguirem estudar animais pré-históricos que viveram onde hoje está o Brasil.

Devido ao temor de retaliação por parte das poderosas instituições de pesquisa dos países desenvolvidos —que vão desde questões acadêmicas até dificuldades de progressão de carreira—, ainda havia alguma relutância em parte da comunidade em falar abertamente sobre os inúmeros episódios relacionados à exploração dos fósseis brasileiros.

A progressiva mudança de postura dos pesquisadores do Brasil, que corajosamente arriscam a própria pele na defesa do patrimônio nacional, foi escancarada no agora famoso episódio do Ubirajara jubatus.

Embora tenha vivido há cerca de 110 milhões de anos na região do Crato, no Nordeste do Brasil, o fóssil do dinossauro foi removido irregularmente do país. O material acabou no Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, onde foi estudado sem a participação de nenhum cientista brasileiro.

A situação, que desrespeita diversos pontos da legislação brasileira e de convenções internacionais para a proteção de patrimônio cultural e histórico, levou imediatamente a uma grande mobilização da comunidade paleontológica nacional nas redes sociais.

O movimento ganhou muita adesão de cientistas no exterior e acabou reverberando na imprensa brasileira e internacional.

Com isso, o mérito científico do anúncio —o primeiro dinossauro não aviano encontrado com as penas preservadas na América Latina—, em dezembro de 2020, acabou eclipsado pelas denúncias da origem ilícita do material estudado.

Embora o museu alemão siga se recusando a devolver o fóssil ao Brasil, a campanha #UbirajaraBelongsBR já obteve vários resultados concretos.

Devido às evidências de obtenção irregular do material estudado, a revista especializada Cretaceous Research acabou retratando o artigo (retirando sua publicação) com a descrição da espécie.

Meses depois, diante da contínua pressão, a publicação anunciou uma atualização em suas diretrizes, afirmando que não iria mais aceitar fósseis "com suspeita de terem sido coletados e exportados ilegalmente de seus países de origem, com proveniência incerta ou depositados em coleções particulares".

O clima de mobilização e reivindicação dos paleontólogos brasileiros também conseguiu garantir a repatriação da mais velha aranha registrada nas Américas, a Cretapalpus vittari.

Foto e representação gráfica da aranha fóssil Cretapalpus vittari, que viveu na região do Araripe (CE) há aproximadamente 120 milhões de anos - Journal of Arachnology



Batizada em homenagem a Pabllo Vittar, a espécie e outros 35 fósseis de aranhas brasileiras foram amigavelmente devolvidos pela Universidade do Kansas em outubro de 2021.

Apesar dos avanços, ainda há um longo caminho a ser percorrido para salvaguardar o patrimônio fossilífero brasileiro.


Além das negociações para a repatriação do que foi ilegalmente tirado do país, é preciso agir para fiscalizar e coibir a extração irregular: um valioso mercado internacional que se aproveita diretamente da pobreza e da vulnerabilidade social das zonas de extração.

Embora fósseis de dinossauros e pterossauros sejam um poderoso instrumento de divulgação científica, atraindo visitantes para museus e gerando aumento de receitas, eles não são suficientes para compensar a inédita escassez de investimento público na ciência brasileira.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.