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Após depoimento de David Grusch, é tudo bem falar sobre aliens?

Ninguém até hoje encontrou evidências de vida extraterrestre em qualquer lugar

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Henry Mance
Financial Times

Na quarta-feira passada, um respeitado ex-agente de inteligência dos Estados Unidos disse a um comitê do Congresso que, em efeito, os aliens existem, sim.

Ele depôs sob juramento e sem demonstrar qualquer traço de dúvida. Afirmou que desde a década de 1930 o governo americano opera um programa secreto para recuperar naves espaciais não humanas. Ele teria até recuperado corpos. Disse que sabe de "múltiplos colegas" que foram "fisicamente feridos" tanto por atores não humanos quanto por pessoas do governo que estavam procurando encobrir a existência deles.

São poucas as pessoas que poderiam fazer afirmações desse tipo e serem levadas a sério. Mas o funcionário em questão, David Grusch, é um veterano da Força Aérea que trabalhou com a equipe do Pentágono encarregada de investigar objetos voadores não explicados. Ele não viu nenhum objeto desse tipo pessoalmente, o que dirá corpos de extraterrestres, mas disse que conversou com 40 pessoas informadas sobre o assunto. Embora Grusch tivesse se negado a responder muitas das perguntas dos parlamentares, citando informação classificada, ele disse que poderia revelar mais falando em particular.

O ex-agente de inteligência dos Estados Unidos David Grusch sentado durante o depoimento a um comitê do Congresso americano. Atrás dele, vários outros homens acompanham a sessão
O ex-agente de inteligência dos Estados Unidos David Grusch durante o depoimento a um comitê do Congresso americano - Brendan Smialowski - 26.jul.23/AFP

À esquerda dele estava sentado um comandante aposentado da Marinha chamado David Fravor, que disse que, em 2004, ele e três outros avistaram um objeto com o formato de "uma TicTac (balinha de hortelã) voadora de 40 pés" que estava se movendo rapidamente sem propulsão visível. Esse objeto desafiava as leis da física "tais como as entendemos", disse Fravor.

Grusch e Fravor encontraram uma plateia receptiva de parlamentares dispostos a desconfiar do Pentágono. "Fizemos história hoje", disse o deputado republicano do Tennessee Tim Burchett ao final dos depoimentos deles. Alexandria Ocasio-Cortez, democrata, enfatizou o compromisso do comitê em proteger delatores.

Para aqueles que pensam que podemos ter sido visitados por extraterrestres, o surgimento de Grusch é a melhor notícia vista em anos. Ele pareceu digno de crédito. "Pensei em um primeiro momento que eu estava sendo ludibriado", ele disse ao jornalista australiano Ross Coulthart em entrevista anterior. "Mas definitivamente não estamos sós." Os participantes no Festival Anual de Óvnis, em Roswell, Novo México —onde as atividades incluem uma visita a bares com aliens— ficaram empolgados. Coulthart diz que fenômenos anômalos não identificados (o nome educado agora dado a óvnis e que responde pelas siglas UAP ou Fanis) constituem "o tema que não pode mais ser ridicularizado ou estigmatizado".

Grusch deixou em aberto a possibilidade de que os visitantes não fossem precisamente extraterrestres, mas seres intraterrestres —que sempre conviveram conosco na Terra— ou seres interdimensionais de outra dimensão física. Mesmo assim, evidências de inteligência não humana (tecnicamente, inteligência não animal) seriam uma notícia gigantesca, maior ainda que a mudança climática ou as relações bancárias de um ex-proponente do Brexit.

Coulthart diz que outras fontes confirmaram a existência de um programa de recuperação de naves que caíram na Terra e um programa de engenharia reversa: "Esta ou é a maior notícia da história, ou há um grupo de agentes seniores de inteligência em que todos desenvolveram uma doença mental grave".

Investigar possíveis visitantes extraterrestres tem sido algo feito por uma minoria marginal, de pensamento conspiratório. Mas a audiência da semana passada no Congresso é sinal de sua respeitabilidade crescente. Desde os anos 1990, políticos conhecidos —incluindo o falecido senador democrata Harry Reid, o assessor presidencial democrata John Podesta e o senador republicano Marco Rubio— têm pedido mais transparência sobre o assunto.

Em 2020, o Pentágono divulgou imagens em vídeo de fenômenos aéreos (ou anômalos) não identificados, incluindo o objeto visto por Fravor que ele descreveu como tendo formato de uma TicTac. No ano anterior, 33% dos americanos haviam dito que alguns óvnis tinham sido naves espaciais de extraterrestres; em 2021 essa porcentagem subiu para 41%. Em maio deste ano, um painel de especialistas da Nasa informou que, embora a maioria possa ser identificada, alguns ainda não podem. Chuck Schumer, o líder da maioria no Senado, propôs em julho a criação de uma comissão para desclassificar mais documentos.

Existe há muito tempo uma distinção entre os cientistas que procuram vida no espaço e os entusiastas que detectam visitantes aliens à Terra. Mesmo essa distinção está ficando menos nítida. Uma teoria sobre visitantes aliens foi adotada por um dos cosmólogos mais respeitados, Avi Loeb, professor de ciência em Harvard que foi diretor do departamento de astronomia da universidade por nove anos.

Loeb não dá importância ao depoimento de Grusch: "Ele não apresentou nenhuma evidência e não testemunhou a evidência", ele diz. "É tudo testemunho indireto. Não é assim que a ciência é feita." Loeb tampouco acredita que o Pentágono esteja escondendo segredos: "Se você quer saber minha opinião, em questões científicas o governo é incompetente".

O que Loeb sugere é que extraterrestres visitaram nosso sistema solar —notadamente na forma de um objeto, Oumuamua, cuja trajetória por nosso sistema solar em 2017 não pareceu explicável pela gravidade do Sol. Loeb também argumenta que um meteoro que caiu no mar nas proximidades de Papua-Nova Guiné em 2014 pode ter sido uma criação não natural de outro sistema solar. Em julho ele recuperou resquícios minúsculos do meteoro do leito oceânico. "Durante a expedição, recebi alguns emails do Pentágono dizendo ‘ótimo trabalho’", ele diz.

Professor de ciência em Harvard, Avi Loeb sorri durante evento na universidade
Professor de ciência em Harvard, Avi Loeb diz que um meteoro que caiu no mar nas proximidades de Papua-Nova Guiné em 2014 pode ter sido uma criação não natural de outro sistema solar - David Dee Delgado - 14.set.22/Reuters

Loeb é visto no mundo acadêmico como pensador heterodoxo, mas não fantasista: "Não gosto de ficção científica. Odeio —porque ela viola as leis da física." Suas credenciais são impecáveis. Para Michael Garrett, professor de astrofísica na Universidade de Manchester, a maioria de seus críticos "não chega a seus pés, em termos científicos".

Houve um tempo em que fazer a pergunta "será que estamos sós no universo?" era um jeito de acabar isolado em pouco tempo. Mas, se figuras dignas de crédito como Grusch e Loeb se dispõem a apostar suas reputações nessa questão, será que agora é tudo bem encarar a questão dos aliens a sério?

O pensamento científico sobre a vida extraterrestre é captado pelo paradoxo de Fermi. Em 1950 o físico Enrico Fermi, figura chave no desenvolvimento da bomba nuclear, teria indagado: "Mas onde está todo o mundo?" Se é tão provável que existe vida em outros lugares no universo, por que não vemos qualquer evidência dela?

(1950 também é o ano escolhido por alguns cientistas como tendo sido o despertar do Antropoceno. Talvez exista uma ligação lógica entre nossa destruição da Terra e nosso desejo de encontrar sentido fora dela.)

Buscas por sinais de rádio do espaço foram montadas nos anos 1950 e 1960, alimentadas pela competição da Guerra Fria. Em 1976, a Nasa fez duas naves espaciais pousar em Marte, mas nenhuma delas captou sinais de vida. Em 1992, a agência deu início a um programa de dez anos e US$ 100 milhões para buscar sinais de rádio, mas no ano seguinte o Congresso cancelou o financiamento.

As perspectivas de existir vida fora da Terra ganharam força em 1995, quando dois cientistas suíços descobriram um planeta orbitando uma estrela como nosso Sol. Telescópios melhores levaram à confirmação da existência de mais de 5.000 exoplanetas, ou planetas situados fora de nosso sistema solar. Cientistas também descobriram que a vida na Terra é capaz de sobreviver em condições muito mais extremas do que se pensava até então. O número de ambientes capazes de abrigar vida simples ou inteligente de repente se multiplicou. Segundo algumas estimativas, existem 2 trilhões de galáxias no universo. Pode a nossa realmente ser singular?

Em 2015 o bilionário Yuri Milner prometeu investir US$ 100 milhões na iniciativa Breakthrough Listen, incluindo um esforço para examinar as cem galáxias mais próximas à nossa. A busca por vida extraterrestre feita hoje não é uma simples busca por sinais de rádio. É uma busca por bioassinaturas, tais como os gases produzidos por organismos vivos. Isso está bem no limite do que podem realizar nossos telescópios mais poderosos, como o Telescópio Espacial James Webb (JWST). A busca também é por tecnoassinaturas —sinais de tecnologia alienígena, incluindo grandes estruturas. As tecnoassinaturas são a razão por que, embora a vida inteligente deve logicamente ser mais rara que a vida primitiva no universo, ela pode também ser mais fácil de detectar.

"Talvez os aliens estejam transmitindo alguma coisa que possamos receber, ou talvez não", diz Seth Shostak, astrônomo sênior do Instituto Seti, organização sem fins lucrativos com sede na Califórnia fundada em 1984 e que no ano passado gastou US$ 24 milhões com a busca por vida fora da Terra. "Mas podemos supor com grau maior de certeza que, se existem sociedades lá fora, elas fazem alguma coisa que modifica o ambiente."

Após 70 anos de buscas, os resultados são decepcionantes. Ninguém até agora encontrou evidências de vida extraterrestre em Marte ou qualquer outro lugar. O JWST revelou que um dos planetas rochosos que orbitam a estrela anã próxima TRAPPIST-1c não possui "uma atmosfera espessa, rica em CO2" que seria propícia à vida.

Nenhum dos astrobiólogos com quem falei manifestou certeza sobre encontrar vida extraterrestre (a astrobiologia é o campo que abrange os cientistas interessados na procura por vida fora da Terra). "Às vezes sou cético. Às vezes, otimista", diz Garrett. Na maior parte do tempo ele é simplesmente curioso.

"Sou astrônomo por formação. Mas, para ser totalmente franco, acho que não há nada que eu tenha visto —nem mesmo do JWST— que transforma completamente o que eu pensava sobre o universo e nosso lugar nele. Acho a astronomia um pouco chata. Mas acho essa questão de se estamos sós no universo ou não absolutamente fascinante."

Ian Crawford, professor na Birkbeck, Universidade de Londres, é cético. "A ausência de evidências nos está dizendo alguma coisa, na realidade: as civilizações tecnológicas provavelmente são raras", ele diz. Pode haver planetas com condições propícias à vida, mas o processo pelo qual os átomos se organizam em moléculas e depois em células autorreplicantes "é um processo realmente, realmente, realmente complicado".

Loeb, de Harvard, é uma exceção. Ele sente confiança suficiente para especular sobre a existência de vida lá fora. Em sua expedição oceânica este ano ele coletou pelo menos 50 esférulas —"lindas bolas de gude esféricas". Sua análise preliminar sugere que elas podem ser muito mais antigas que o sistema solar, o que é um indicativo de um objeto interestelar. Seu próximo passo será estudar se o objeto é não natural: "Suponhamos que você verifique a composição e parecer que ele é feito de circuitos elétricos derretidos ou semicondutores."

Concepção artística do Oumuamua, que Avi Loeb acredita ser um objeto de fora do sistema solar
Concepção artística do Oumuamua, que Avi Loeb diz ser um objeto de fora do sistema solar; outros cientistas acreditam ser um cometa comum já sem a cauda de gelo - European Southern Obervatory/M. Kornmesser/via Reuters

Ele já é autor de um best-seller, "Extraterrestrial", e uma sequência será publicada em agosto. Ele tem uma equipe documental que o segue e é tema de uma peça a sair em breve e que vai compará-lo a Galileu Galilei.

Outros astrobiólogos consideram que suas extrapolações vão longe demais. "Loeb virou motivo de constrangimento para seus colegas de Harvard e alguém que irrita o resto de nós", diz um deles. Eles sugerem que Oumuamua, que agora está longe demais para permitir mais análises, pode ser um cometa com uma cauda de gelo derretido.

"Especialistas querem conservar sua posição. E o jeito de conservar sua posição como especialista é argumentar que tudo pode ser explicado por conhecimento passado", responde Loeb. Ele aponta que tampouco há muitas evidências diretas da existência de matéria escura, mas que o conceito é aceito sem dificuldade.

"Estou tentando colocar meu corpo sobre o arame farpado para que a próxima geração consiga passar", fala Loeb. Ele insiste que as explicações de Oumuamua dadas por seus rivais não se sustentam. "Eu me sinto como o menino no conto de Hans Christian Andersen ‘As Roupas Novas do Imperador’, dizendo que não enxergo roupa alguma no imperador."

Céticos pensam que Loeb pode na realidade estar habitando outro conto de Hans Christian Andersen: "A Pequena Sereia". "Sereias existem?", pergunta Crawford. "Então por que tantos marinheiros nos séculos 17, 18 e 19 relataram ter avistado sereias?"

Na noite de 20 de abril de 2021, cinco luzes apareceram no céu perto de uma base dos Fuzileiros Navais americanos em Twentynine Palms, Califórnia. Jeremy Corbell, que é cineasta e se descreve como "interessado em óvnis", disse que as luzes pairaram no ar, diferentemente de sinalizadores, e que ouviu relatos de muitos fuzileiros que testemunharam não apenas as luzes, mas uma nave espacial que as interligava.

Imagens subsequentes sugerem que as luzes tenham, de fato, sido sinalizadores, com rastros de fumaça. "As explicações mundanas dos óvnis, embora sejam divertidas de investigar, podem não ser tão interessantes para o grande público", diz um cético de óvnis, Mick West. Alguns podem ser balões chineses de espionagem.

Corbell disse que conheceu David Grusch um ano atrás. Ele se sentou atrás do ex-agente de inteligência na audiência do comitê parlamentar na semana passada. Essa conexão coloca um ponto de interrogação ao lado da credibilidade de Grusch. "Acho que ele foi influenciado de várias maneiras pela cultura dos óvnis", diz West.

A ausência de evidências diretas sempre foi um problema para os interessados em vida extraterrestre. Mas todos nesse campo —incluindo os investigadores de dos objetos e os céticos, além dos astrobiólogos— concordam no valor de ser feitas mais pesquisas. "Os Fanis precisam ser levados muito mais a sério pela ciência", fala Coulthart, o jornalista que entrevistou Grusch. Coulthart acrescenta que não tem certeza que esses objetos representem inteligência extraterrestre. "Ainda não acredito nisso. Na verdade, duvido que seja a melhor explicação."

Mas, em algum momento, será que a ausência de evidência vai começar a pesar? Crawford diz que, se a vida é comum no universo, devemos começar a encontrá-la. "Se os Fanis realmente fossem naves espaciais nos visitando, então deveríamos encontrar vida em Marte, deveríamos encontrar vida em todos os exoplanetas próximos." (Talvez. Ou, quem sabe, se dentro de uma década ou mais ou menos isso uma sonda voltar de Marte trazendo rochas que não têm sinais de vida, os otimistas simplesmente digam que a sonda escolheu a rocha errada.)

Por enquanto, sem evidências, o que nos resta é a lógica. Por que os avistamentos de óvnis se concentram nos Estados Unidos? Pode o governo americano realmente ter mantido visitas de aliens em segredo por décadas? Se o tivesse feito, por que o Pentágono agora autorizaria Grusch a dar seu depoimento? Será que Grusch confundiu um programa de engenharia reversa de tecnologia estrangeira secreta com algo mais exótico?

Se extraterrestres já visitaram a Terra, eles são mais tecnicamente avançados que nós. É plausível que o governo americano fosse capaz de fazer a engenharia reversa de sua tecnologia, como alega Grusch? "Você poderia entregar uma máquina de escrever elétrica a um homem das cavernas. Duvido que ele conseguisse fazer a engenharia reversa dela", diz Shostak.

Martin Rees, o astrônomo real do Reino Unido, argumenta que a distância entre humanos e extraterrestres provavelmente é grande. Muitas estrelas são bilhões de anos mais velhas que as nossas. Com essa dianteira, é bem provável que a vida alienígena já tenha passado da vida em carne e osso para uma forma de vida eletrônica. "Não conseguiremos entender suas motivações ou intenções", escreveram Rees e o astrofísico Mario Livio.

Lorde Rees defende a busca por inteligência extraterrestre. Mas a hipótese dele sobre os aliens parece a mais plausível e desanimadora. O que nos aguarda não é um mundo de seres com quem poderemos nos comunicar ou de novas tecnologias que poderemos usar para resolver nossos problemas. Seja o que for que nos aguarda, será apenas mais motivo de perplexidade.

Talvez seja irresistível indagar seriamente se extraterrestres existem. Mas, se eles fossem visitar a Terra, talvez se perguntassem por que não estamos, em vez disso, fazendo coisas que pudessem ajudar nossa própria civilização concretamente.

Tradução de Clara Allain

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