Nobel de Química 2023 vai para pontos quânticos, hoje usados em TVs e luminárias de LED

Prêmio ficou marcado por divulgação de vencedores antes da hora

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São Paulo

O Nobel de Química 2023 ficou com pesquisas relacionadas à descoberta de pontos quânticos, que deram cor à nanotecnologia. A descoberta já está presente em televisores e monitores com tecnologia QLED —o "Q" se refere exatamente aos pontos quânticos—, luminárias LED e também tem potencial para ser usada na medicina, para guiar remoções de tecidos tumorais.

Os vencedores foram Moungi Bawendi, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), Louis Brus, da Universidade Columbia, e Alexei Ekimov, do Nanocrystals Technology Inc., todos institutos dos Estados Unidos. O anúncio foi feito na manhã desta quarta-feira (4), na Academia Real Sueca de Ciências, em Estocolmo, na Suécia.

Os vencedores dividirão igualmente 11 milhões de coroas suecas (pouco menos de US$ 1 milhão), uma medalha e um diploma.

Os laureados com o Nobel de Química 2023 e, em frente à tela com seus rostos, frascos com líquidos brilhantes contendo a descoberta da qual participaram
Os laureados com o Nobel de Química 2023 e, em frente à tela com seus rostos, frascos contendo a descoberta da qual participaram - Jonathan Nackstrand/AFP

"Muito surpreso, sonolento, chocado e muito honrado", disse Bawendi, um dos laureados, sobre o recebimento do prêmio, por telefone, durante o anúncio do Nobel. Tradicionalmente, a Academia Real Sueca de Ciências liga para os laureados ao redor do mundo na manhã em que o Nobel é anunciado.

Os pontos quânticos são cristais, formados por poucos milhares de átomos, tão pequenos que os seus tamanhos determinam suas propriedades físicas.

Com tubinhos coloridos brilhantes dignos de um filme de ficção científica de baixo orçamento, Johan Aqvist, presidente do Comitê do Nobel para Química, materializou parte do potencial dos pontos quânticos.

"Isso que vocês estão vendo são pontos quânticos em uma solução líquida", disse. "As nanopartículas em cada um dos frascos são feitas da mesma substância simples. Então como diferem em cor? Trata-se de um efeito quântico. As partículas são tão pequenas que os seus elétrons começam a ficar abarrotados. Os menores pontos quânticos brilham em azul e os maiores em amarelo e vermelho. Eles só diferem em tamanho, nada mais."

Enfileirados, frascos com líquidos coloridos
Frascos usados para exemplificar descoberta que levou o Nobel de Química 2023 - Jonathan Nackstrand/AFP

Teoricamente, já era sabido que efeitos quânticos relacionados a tamanho poderiam estar presentes em nanopartículas, mas a aplicação disso, até décadas atrás, era impensada. Até que Alexei Ekimov, nascido na então União Soviética, criou tais efeitos em vidro colorido, a partir de cloreto de cobre, na década de 1980.

Na sequência, veio a contribuição de Louis Brus para a área. E a essa altura, você pode já estar se perguntando: e daí, qual a importância da diferença de cor?.

Brus estava estudando como algumas partículas conseguem capturar luz e usar a energia obtida em reações. Brus usava partículas bem pequenas. Curiosamente, após algum tempo sobre a bancada do laboratório, as partículas tinham mudanças nas propriedades ópticas. O cientista notou, então, uma diferença na absorção de luz.

Mais uma vez: e daí?.

Bom, as alterações ópticas indicam mudanças totais nas características de uma substância. A mudança na absorção indica um material totalmente novo. Isso porque tais propriedades ópticas estão atreladas aos elétrons, que também estão relacionados à condutividade elétrica e ao potencial de catalisar reações químicas.

Pode ainda não parecer algo que impressiona, mas essa descoberta pode ser definida como a adição de uma terceira dimensão à tabela periódica. Basicamente, propriedades de elementos não são afetadas somente pelos números de camadas eletrônicas de um átomo e pela quantidade de elétrons nela. Na nanoescala, o tamanho também conta.

O que Brus fazia, porém, tinha uma limitação: a qualidade basicamente imprevisível dos cristais criados.

Finalmente, em 1993, veio a contribuição de Moungi Bawendi, que, anteriormente, havia trabalhado no laboratório de Brus.

Bawendi e seu grupo de pesquisa, em um solvente específico aquecido, injetaram uma substância que formaria nanocristais em quantidade suficiente para saturar a solução. Isso levou à criação de pequenos embriões de cristais, que se formaram simultaneamente.

Variando a temperatura da solução, a equipe de pesquisa foi capaz de criar nanocristais —quase perfeitos em sua forma— de tamanhos específicos.

Os usos dos pontos quânticos

A materialização do Nobel de Química deste ano pode já estar na sua casa, em monitores e televisores QLED —curiosamente, o Nobel de Física de 2014 também é relacionado à tecnologia LED. O trabalho pode ainda ter importante impacto na medicina e bioquímica.

Os pontos quânticos são usados, por exemplo, atrelados a biomoléculas que fazem o mapeamento de órgãos humanos. Também já é investigado o uso desses pontos para localizar tumores no corpo.

Espera-se, ainda, que esse tipo de tecnologia faça parte de eletrônicos flexíveis, células solares, sensores ainda menores e até mesmo em comunicação quântica criptografada.

Divulgação acidental dos nomes que seriam laureados

O Nobel de Química deste ano acabou marcado pela divulgação por email, no início da manhã sueca, dos nomes que receberiam a láurea no fim da manhã sueca. A reunião para a decisão final sobre os vencedores, porém, ocorre, em teoria, pouco tempo antes da divulgação dos laureados para o resto do mundo.

Durante a conferência de imprensa da premiação, Hans Ellegren, secretário-geral da Academia Real Sueca de Ciências, foi repetidamente questionado sobre o fato. "Nenhuma decisão é tomada até que tenha sido tomada", disse Ellegren, sobre a divulgação anterior à própria reunião para bater o martelo sobre os nomes laureados.

"Um comunicado de imprensa foi mandado ainda por motivos desconhecidos. Nós estivemos muito ativos tentando descobrir o que aconteceu, mas não sabemos. Lamentamos profundamente que isso tenha acontecido. O importante é que não afetou a premiação aos agraciados de forma alguma", disse Ellegren, atropelando e trocando algumas palavras ao final de sua fala. "Nominar Prêmios Nobel é um processo muito longo e a decisão sobre o prêmio não é tomada até que a academia se reúna, e a academia se reuniu nessa manhã."

Pontos quânticos no Brasil

Ana Flávia Nogueira, pesquisadora da Unicamp e membro da ABC (Academia Brasileira de Ciências), é uma das pesquisadoras brasileiras que trabalha com pontos quânticos.

A primeira pesquisa com pontos quânticos da qual recorda estar envolvida lidava com células fotovoltaicas, ou seja, células solares, usadas em painéis para captação de energia solar.

Segundo Nogueira, tal uso em células solares, porém, deve ter um desenvolvimento mais robusto só mais para a frente. Por enquanto, a aplicação mais clara e visível para todos, literalmente, é o uso em telas QLED.

Como dito anteriormente, além de telas, os pontos quânticos têm potencial de uso na biologia e medicina. E é exatamente nessa área que trabalha Giovannia Pereira, pesquisadora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e que foi, recentemente, apoiada pelo Instituto Serrapilheira.

Pereira explica que a sintetização dos pontos quânticos é feita a partir de metais como cádmio e chumbo. Em seu trabalho, ela busca, pensando em termos de química verde, substituir tais metais do processo por materiais tão eficientes quanto e que não corram o risco de trazer nenhum tipo de prejuízo.

O uso desses metais atualmente limita as aplicações in vivo, ou seja, em organismos vivos, segundo a pesquisadora da UFPE. In vitro, porém, os pontos quânticos já são usados.

Apesar de hoje já existirem outras formas de fazer marcação molecular (basicamente, colocar um "rastreador luminoso" em alguma partícula para entender, por exemplo, para onde algo vai nas células), como por sondas ópticas moleculares, os pontos quânticos trariam vantagens nessa área, com um bom potencial para direcionar esses cristais para se encaixarem nas superfícies de células de interesse, como cancerígenas, por exemplo. Além disso, os pontos seriam mais estáveis, com capacidade de permanecerem ativos mais tempo, em comparação às sondas moleculares.

Pereira cita como exemplo o potencial de, basicamente, "fazer brilhar", durante a cirurgia, um tecido de tumor que tem que ser removido. "Você tem a certeza que o que está sendo retirado são células cancerígenas", diz a pesquisadora, ressaltando que isso é um potencial uso futuro.

A pesquisadora da UFPE também cita o potencial dos pontos quânticos para identificação e quantificação de poluição. Nogueira cita que há também o potencial uso dos pontos para degradação de poluentes orgânicos.

As duas pesquisadoras citam as limitações presentes nesse campo de pesquisa no Brasil, apesar dos esforços de cientistas da área.

"Em termos de competitividade ficamos para trás", diz Pereira.

Na mesma linha, Nogueira afirma que há dificuldades no país para escalar o que se faz no campo de pesquisa de pontos quânticos. "Somos muito bons em estudar os fundamentos, mas temos um gap muito grande de colocar esse material como aplicação", afirma a cientista da Unicamp.

Nogueira cita, por exemplo, o potencial que o acelerador de partículas Sirius, fonte de luz síncrotron de 4ª geração instalado em Campinas, traz para esse campo de estudo, possibilitando a melhor análise da estrutura e das propriedades dos pontos quânticos.

Química ou Física

Durante a coletiva de imprensa, foi também levantada a relação entre a linha de pesquisa laureada no Nobel de Química e a área da física como um todo.

"Eu diria que há uma raiz desse campo na física de semicondutores", disse Heiner Linke, membro do Comitê do Nobel para Química e especialista na área laureada.

Segundo Linke, os fenômenos quânticos presentes, por exemplo, em optoeletrônicos são mais relacionados a instrumentos do que a materiais.

"A descoberta aqui é para purificar efeitos quânticos e transformá-los em materiais. Você pode tocar, você pode secar esses pontos quânticos. Você tem pó que ainda têm esse as propriedades desse novo material. Os métodos para fazer isso vêm da química. E são métodos químicos para continuar a tratar e fazer uso em aplicações biomédicas ", afirmou Linke.

Como é escolhido o ganhador do Nobel

A premiação do Nobel teve início com a morte do químico sueco Alfred Nobel (1833-1896). Em seu testamento, em 1895, Nobel registrou que a fortuna deixada deveria ser destinada para a construção de um prêmio. A família do químico recebeu a ideia com contestação. O primeiro prêmio acabou sendo dado somente em 1901.

Para o trabalho de Nobel, inventor da dinamite e responsável pelo desenvolvimento de borracha e couro sintéticos, a química era a ciência de maior importância. O químico registrou 355 patentes em 63 anos de vida.

O processo de escolha do vencedor da área de química começa no ano anterior à premiação. Em setembro, o Comitê do Nobel de Química manda convites (cerca de 3.000) para a indicação de nomes que merecem a homenagem. As respostas são enviadas até o dia 31 de janeiro.

Podem indicar nomes os membros da Academia Real Sueca de Ciências; membros do Comitê do Nobel de Química e de Física; ganhadores do Nobel de Física e de Química; professores de química em universidades e institutos de tecnologia da Suécia, Dinamarca, Finlândia, Islândia e Noruega, e do Instituto Karolinska, em Estocolmo; professores em cargos semelhantes em pelo menos outras seis (mas normalmente em centenas de) universidades escolhidas pela Academia de Ciências, com o objetivo de assegurar a distribuição adequada pelos continentes e áreas de conhecimento; e outros cientistas que a Academia entenda adequados para receber os convites.

Autoindicações não são aceitas.

Começa então um processo de análise das centenas de nomes apontados, com consulta a especialistas e o desenvolvimento de relatórios, a fim de afunilar a seleção. Finalmente, em outubro, a Academia, por votação majoritária, decide quem receberá o reconhecimento.

Histórico recente do Nobel de Química

Em 2022, o Nobel de Química ficou com Carolyn Bertozzi, Morten Meldal e Barry Sharples, pelo desenvolvimento de uma engenhosa ferramenta para construção de moléculas. Os cientistas são responsáveis por estudos sobre as chamadas química "click" e química bio-ortogonal.

Em 2021, o prêmio ficou com Benjamin List, do Instituto Max-Planck, na Alemanha, e com David MacMillan, da Universidade de Princeton, nos EUA. Os cientistas foram laureados pelo desenvolvimento de uma ferramenta engenhosa e poderosa para construção de moléculas orgânicas, conhecida como organocatálise assimétrica.

Em 2020, o Nobel de Química foi 100% feminino, com láureas para Emmanuelle Charpentier, do Instituto Max Planck (Alemanha), e Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia, em Berkeley (EUA). As pesquisadoras foram importantes para abrir a porta para a possibilidade de reescrever o código da vida com edição genética. Você já deve ter ouvido da técnica usada para isso: Crispr-Cas9.

Já em 2019, o desenvolvimento de baterias de íons de lítio rendeu a John B. Goodenough, M. Stanley Whittingham e Akira Yoshino o Nobel da área.

Por levar a evolução para tubos de ensaio, em 2018, o Nobel de Química ficou com Frances H. Arnold, dos EUA, George P. Smith, também dos EUA, e Gregory P. Winter, do Reino Unido.

Em 2017, pesquisas de criomicroscopia eletrônica, processo pelo qual é possível congelar moléculas em meio a processos bioquímicos —como em uma fotografia da vida—, foram lembradas pelo Nobel. Os laureados foram Jacques Dubochet, da Universidade de Lausanne, Joachim Frank, da Universidade Columbia e Richard Henderson, da Universidade de Cambridge.

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