Descrição de chapéu The New York Times

Suspeitas levam Nature a 'despublicar' pesquisa sobre supercondutor de temperatura ambiente

Alvo de questionamentos, Ranga P. Dias tem negado as acusações de má conduta

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Kenneth Chang
The New York Times

A Nature, uma das revistas científicas mais prestigiadas, retratou —ou seja, basicamente informou a "despublicação"—, na terça-feira (7) um artigo de grande destaque que publicara em março. No texto, anunciava-se a descoberta de um supercondutor que funcionava em temperaturas cotidianas.

Esse foi o segundo artigo sobre supercondutores envolvendo Ranga P. Dias, professor de engenharia mecânica e física na Universidade de Rochester, no estado de Nova York, a ser retratado pela revista em pouco mais de um ano. Ele se juntou a um artigo retratado por outra revista, no qual Dias era um dos principais autores.

A pesquisa de Dias e seus colegas é a mais recente em uma longa lista de alegações de supercondutores de temperatura ambiente que não se concretizaram. No entanto, a retratação levantou questões desconfortáveis para a Nature sobre por que os editores da revista divulgaram a pesquisa depois de já terem examinado e retratado um artigo anterior do mesmo grupo.

Em frente a quadro negro, pessoa de óculos de braços cruzados olha para frente
Ranga P. Dias, professor de engenharia mecânica e física na Universidade de Rochester, em Nova York - Lauren Petracca - 02.mar.2022/NYT

Um porta-voz de Dias afirmou que o cientista negou as alegações de má conduta na pesquisa. "O professor Dias pretende submeter novamente o artigo científico a uma revista com um processo editorial mais independente", disse o representante.

Descobertos pela primeira vez em 1911, os supercondutores podem parecer quase mágicos —eles conduzem eletricidade sem resistência. No entanto, não se conhecem materiais que sejam supercondutores em condições cotidianas. A maioria requer temperaturas ultrabaixas, e os avanços recentes em direção a supercondutores que funcionam em temperaturas mais altas exigem pressões extremas.

Um supercondutor que funcione em temperaturas e pressões cotidianas poderia ser utilizado em aparelhos de ressonância magnética, dispositivos eletrônicos inovadores e trens que levitam.

Os supercondutores viralizaram nas redes sociais durante o verão, quando um grupo de cientistas da Coreia do Sul também afirmou ter descoberto um supercondutor à temperatura ambiente, chamado LK-99. Em poucas semanas, a empolgação diminuiu depois que outros cientistas não conseguiram confirmar as observações de supercondutividade e apresentaram explicações alternativas plausíveis.

Embora tenha sido publicada em uma revista de grande destaque, a alegação de Dias sobre um supercondutor de temperatura ambiente não causou euforia como o LK-99, pois muitos cientistas da área já duvidavam de seu trabalho.

No artigo da Nature publicado em março, Dias e seus colegas relataram que haviam descoberto um material —hidreto de lutécio com nitrogênio adicionado— capaz de superconduzir eletricidade em temperaturas de até 70 graus Fahrenheit (21,1°C). Ainda era necessário aplicar uma pressão de 145 mil libras por polegada quadrada, o que não é difícil de fazer em um laboratório. O material adquiriu uma tonalidade vermelha quando comprimido, levando Dias a apelidá-lo de "reddmatter" em referência a uma substância de um filme de "Star Trek".

Menos de três anos antes, a Nature havia publicado um artigo de Dias e muitos dos mesmos cientistas. O texto descrevia um material diferente que eles afirmavam também ser um supercondutor, embora apenas sob pressões extremas de quase 40 milhões de libras por polegada quadrada. No entanto, outros pesquisadores questionaram alguns dos dados do artigo. Após uma investigação, a Nature concordou e retratou o artigo em setembro de 2022, apesar das objeções dos autores.

Em agosto, a revista Physical Review Letters retratou um artigo de 2021 de Dias que descrevia propriedades elétricas intrigantes, embora não de supercondutividade, em outro composto químico, sulfeto de manganês.

James Hamlin, professor de física na Universidade da Flórida, informou aos editores do Physical Review Letters que as curvas em uma das figuras do artigo que descreviam a resistência elétrica no sulfeto de manganês pareciam semelhantes aos gráficos na tese de doutorado de Dias que descreviam o comportamento de um material diferente.

Especialistas independentes contratados pela revista concordaram que os dados pareciam suspeitosamente semelhantes, e o artigo foi retratado. Ao contrário do caso anterior de retratação da Nature, todos os nove coautores de Dias concordaram com a retratação. Dias foi o único a se opor e afirmou que o artigo apresentava com precisão os resultados da pesquisa.

Em maio, Hamlin e Brad J. Ramshaw, professores de física na Universidade Cornell, enviaram suas preocupações sobre os dados do hidreto de lutécio no artigo de março aos editores da Nature.

Após a retratação pelo Physical Review Letters, a maioria dos autores do artigo do hidreto de lutécio concluiu que a pesquisa de seu artigo também era falha.

Em uma carta datada de 8 de setembro, 8 dos 11 autores pediram a retratação do artigo da Nature.

"Dias não agiu de boa-fé em relação à preparação e submissão do manuscrito", disseram aos editores da Nature.

Os autores da carta incluíam cinco estudantes de pós-graduação recentes que trabalharam no laboratório de Dias, além de Ashkan Salamat, professor de física na Universidade de Nevada, Las Vegas, que colaborou com Dias nos dois artigos retratados anteriormente. Dias e Salamat fundaram a Unearthly Materials, uma empresa destinada a transformar as descobertas de supercondutividade em produtos comerciais.

Salamat, que era o presidente e CEO da empresa, não é mais um funcionário lá. Ele não respondeu a um pedido de comentário sobre a retratação.

No aviso de retratação publicado na terça-feira (7), a Nature disse que os oito autores que escreveram a carta em setembro expressaram a opinião de que "o artigo publicado não reflete com precisão a procedência dos materiais investigados, as medidas experimentais realizadas e os protocolos de processamento de dados aplicados".

Os problemas, disseram esses autores, "minam a integridade do artigo publicado".

Dias e outros dois autores, ex-alunos dele, "não declararam se concordam ou discordam desta retratação", disse o aviso. Um porta-voz da Nature disse que eles não responderam à retratação.

"Essa tem sido uma situação profundamente frustrante", disse Karl Ziemelis, editor-chefe de ciências aplicadas e físicas da Nature, em comunicado.

Ziemelis defendeu a forma como a revista lidou com o artigo. "De fato, como é tão comum, os revisores especialistas altamente qualificados que selecionamos levantaram várias questões sobre a submissão original, que foram em grande parte resolvidas em revisões posteriores", disse ele. "É assim que funciona a revisão por pares."

Ele acrescentou: "O que o processo de revisão por pares não pode detectar é se o artigo, como escrito, reflete com precisão a pesquisa como foi realizada".

Para Ramshaw, a retratação foi uma validação. "Quando você está investigando o trabalho de outra pessoa, sempre se pergunta se está apenas vendo coisas ou interpretando demais", disse ele.

Após a retratação do Physical Review Letters, a Universidade de Rochester confirmou que iniciou uma "investigação abrangente" por especialistas não afiliados à universidade. Um porta-voz da universidade disse que não tem planos de tornar públicos os resultados da investigação.

A Universidade de Rochester removeu vídeos do YouTube que produziu em março, nos quais autoridades universitárias elogiavam a pesquisa de Dias como uma descoberta.

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